"Apesar de você amanhã há de ser outro dia" (Chico Buarque)
Foi dentro de uma das celas, durante o intervalo entre um espetáculo e outro, minha conversa com a atriz Nilda Maria, uma das presas políticas de "Lembrar É Resistir". Só que o seu caso é diferente. Não há uma personagem criada para ela na peça: em 1970, Nilda ficou detida em três prisões diferentes. Não sabe quanto tempo passou no DOPS.

Gaúcha de Santa Maria, a atriz veio para São Paulo em 1959. "Sempre trabalhei com teatro. Nos anos 70, estava encenando "O Balcão", de Jean Genet, no teatro Ruth Escobar. Eu fazia uma líder revolucionária". Paralelamente, na vida real, Nilda atuava na linha de apoio à Lamarca. "Foi nessa época que caí", recorda-se.
Havia vários tipos de tortura nas prisões pelas quais Nilda passou. "Eles tinham a intenção de me enlouquecer", conta. "Fiquei muito tempo sem comer e depois sem dormir". Entre outras lembranças, um eco de algum companheiro em uma das prisões repetia, nas tardes de domingo: "Solidão demorada, meu Deus!!".
Mas como é trabalhar em um local que evoca recordações tão tristes? "Passei por diferentes fases desde a estréia da peça", comenta. "No primeiro momento, foi um choque emocional: eu sentia as coisas muito vivas. Depois, passei por um processo de transformar tudo em teatro - o fato de encenar com atores me ajudou muito".
A última etapa fez com que as lembranças da atriz ficassem mais nítidas. "De repente, começaram a emergir memórias que estavam abafadas", conta. Na verdade, o trabalho de limpeza foi gradual. "Antes da peça, os atores fazem cooper pelo prédio", diz. "Apesar da insalubridade do lugar, é possível manter a rotina. Continua sendo um trabalho de resistência", completa.
Com toda essa experiência, Nilda acha que "Lembrar É Resistir" deve ficar em cartaz para sempre. "O memorial do cárcere deve ser vivo, para que as pessoas não se esqueçam nunca do que foi o poder dos militares, da ditadura - para manter a História". E completa: "Isso deveria acontecer nas prisões do país inteiro."
Para a atriz, o poema de Thiago de Mello declamado por ela em uma das cenas de "Lembrar É Resistir" é um dos símbolos de tudo o que passou. "Lição de cadeia fica. E muito mais fica a mancha que a cadeia deixa na vida do homem. Nunca sai direito. O tempo nem sempre lava." Apesar das memórias, Nilda Maria arremata: "Sou otimista. Acho que é possível resgatar as esperanças do passado."