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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Diferenças e agitação

Tirando os calotes e os cheques sem fundo, Cacau não tem reclamações por trabalhar no Centro. Ele é dono do Lojão da Fortuna, estabelecimento que vende tecidos na Rua 25 de Março.

Há 33 anos, a família de João Carlos Callasa Fernandes, o Cacau, é proprietário da loja mas somente há cinco comercializa tecidos. "Antes vendíamos confecções, mas o lucro estava diminuindo e mudamos de ramo." "Acho diferente trabalhar no Centro, é uma coisa mais técnica, onde se aprende na prática, como em nenhum outro lugar." Ele acredita que mesmo com todos os defeitos, o Centro é um lugar, acima de tudo, agitado. E, provavelmente, essa agitação tenha sido, comparativamente, a mesma em todas as "épocas" da Rua 25 de Março, que se formou margeando o rio Tamanduateí e ficou conhecida como Rua da Várzea do Glicério. Depois disso, mudou de nome muitas vezes: Rua das Sete Voltas (devido ao leito tortuoso do rio), Rua de Baixo (após a retificação do rio e drenagem da área), Rua 21 por Cento (nome que não pegou). Vale lembrar que quando era chamada Rua de Baixo, a 25 também era conhecida como Rua Baixa de São Bento por dividir a cidade em alta (depois do Mosteiro São Bento) e baixa. A realidade em que Cacau trabalha durante o dia é oposta à que ele estuda no período do noite. Ele cursa administração na FMU, uma universidade de classe alta que tem mensalidades girando em torno de R$ 500. Tudo muito diferente do que encontra no Centro, com pessoas caminhando por ruas apertadas, correndo pelas galerias, sem nenhum conforto. Mesmo o seu jeito de vestir contrasta com a maioria dos trabalhadores locais. Cacau usa camisas finas, gel no cabelo, calça e sapatos da moda. Pouco ou nada a ver com o vestuário simples e comprado com dificuldade pela grande parte dos que trabalham na 25 de Março. Mas essa diferença e a pouca idade (24 anos) não impedem Cacau de tratar e ser tratado igualmente em sua loja e no restante do comércio. "A gente tá no mesmo barco, então temos que conviver muito bem." Mesmo assim, o comerciante diz que não tem muitos amigos no Centro, "só alguns colegas". Isso porque há pouco tempo para passeios ou lazer na região. "Chego cedo pra abrir a loja e não paro até o fim do dia, às vezes, mal dá tempo de almoçar. E, lá pelas 18h, tenho que sair correndo pra ir pra faculdade. Gostaria mesmo de ter mais tempo de visitar os lugares aqui no Centro, tenho muita vontade, mas é muito trabalho, fica complicado", reclama. Cacau diz não ligar para os caminhos apertados e as ladeiras que cercam a 25 de Março. "Posso já estar acostumado, mas não acho ruim, não, o difícil ia ser trabalhar em shoppings onde o movimento, de pessoas não de dinheiro, nem se compara ao da 25", brinca ele. Mas o que Cacau não sabia é que os "caminhos" da 25 já foram bem piores. Gabriel Marques, no livro "Ruas e Tradições de São Paulo", afirma que "fôra tortuosa e abrupta, a serpentear por entre nêsgas de atoleiro pútridos, desde a antiga Ladeira do Carmo às Sete Voltas do histórico Tamanduateí...".

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