Pensamentos por R$ 1,99

Montada em um dos canteiros do Vale do Anhangabaú, bem debaixo do Viaduto do Chá, uma curiosa instalação atraía a atenção dos passantes na tarde do último domingo. “Vendem-se pensamentos puros. R$ 1,99 cada”, dizia uma placa de papelão pregada no tronco de uma árvore. Ao lado, penduradas em varais improvisados, camisetas com frases do tipo “Homens magrelos dominam” ou “Ninguém escreve meu nome certo” instigavam os pedestres.
O programador visual Wagne Carvalho, escalado pelo estilista Anderson Eleotério, responsável pela idéia, para cuidar da banca, tentava explicar aos curiosos o significado daquilo. “Ele comprou pensamentos por R$ 0,01 e agora está vendendo impressos em pequenos papelotes por R$ 1,99. Quem leva uma frase ganha uma camiseta”, disse o assistente. A brincadeira foi um dos diferenciais da abertura da 18ª edição da Casa de Criadores – evento de moda já consagrado por dar espaço a novos talentos –, que em uma iniciativa inédita abriu o primeiro dia de desfiles ao público em geral.
“É muito interessante ver o contraste das pessoas da moda com gente do Centro”, disse a estudante de 18 anos Marina Helou, que nunca tinha assistido a um desfile. Em parceria com a irmã Andréa, de 16 anos, ela levou a camiseta com a frase “Eu atraio gente louca”. Segundo Wagne, a maioria delas foi inspirada em nomes de comunidades do Orkut. Difícil era explicar às pessoas que o que estava sendo vendido era o pensamento: “Elas estão entendendo, mas todas querem mesmo as camisetas”, disse o vendedor, cuja preferida tinha os dizeres “Eu ainda não... Mas...”
Uma série de intervenções artísticas ocupou o Vale do Anhangabaú, como a apresentação do grupo de dança The Funk Man e a performance do coletivo de grafite 1990 Crew, composto por seis artistas urbanos. Mas as famosas rodinhas que se formam em torno dos eventos pelas ruas do Centro aconteceram mesmo quando a turma de estilistas do Projeto Lab deu início aos desfiles, todos ao ar livre. Foram vários, simultaneamente, em diversos níveis do Vale. “Estou achando tudo muito bonito”, disse Paula Santos, que atualmente cursa o supletivo, enquanto admirava a coleção do estilista Deoclys Bezerra.
Moradora do bairro de Santana, Paula foi ao Centro especialmente para ver as criações. “Todo mundo poderia inventar coisas diferentes, a vida seria muito mais feliz. Eu mesma faço as minhas roupas. Assim a gente se sente mais à vontade”, acrescentou. E aprovou os modelos: “Só usaria a saia mais comprida, por causa da minha idade”.
Transformando muretas em passarela, a estilista Marta Pires colocou suas modelos desfilando de costas para a imponente fachada do Teatro Municipal. Ali perto, algumas pessoas assistiam à performance comandada pela dupla de estilistas Patrícia Gerber e Flamínio Jallageas. Em uma mesa posta em frente à fonte da Praça Ramos de Azevedo, manequins moíam carne crua e costuravam bifes. “Esse tipo de evento é importante para conscientizar a população que tem menos acesso à história da moda”, disse Janete Puglisi, 67 anos, dona de uma confecção de uniformes.
“Estou achando superlegal”, divertia-se a professora Antônia Rodrigues de Souza, 35 anos, sócia de Janete. Mas não é estranho? “É exótico. Até mesmo porque a gente sabe que tem muita coisa sendo feita ao ar livre que não é normal”, opinou, mudando – um pouquinho – de opinião alguns segundos depois. “Ah, é engraçado. Mas passar o ferro elétrico na carne definitivamente não é normal!” (30/08/2005)
Matéria publicada originalmente no Jornal da Tarde