Rotina puxada

A Pinacoteca abre às 9h. Uma hora depois, Marcio Junji chega para iniciar mais um dia de trabalho puxado _mas feliz. “O museu tem sempre de oito a 12 mostras em cartaz e, como o departamento consiste em uma pessoa, o trabalho começa imediatamente: recebo uma média de 30 e-mails diariamente, sem contar uma tonelada de junk-mail e aqueles que prescindem de resposta”, começa a enumerar.
Junji trabalha no próprio prédio da Pinacoteca, “um privilégio”, segundo ele. “Além de um espaço lindo que divido com colegas divertidíssimos, posso visitar as exposições de que gosto várias vezes.”
A ralação continua. “Tenho ainda o material das exposições vindouras a preparar, com curadores e artistas a contatar, imagens para serem tratadas, equipes de filmagem a acompanhar, clipping, ligações (ininterruptas), além de tarefas mais administrativas.”
Achou cansativo? Eu também fiquei meio sem fôlego. Mas ele tem uma dica preciosa: “Nessas horas em que as demandas frenéticas do emprego poderiam sufocar de vez, tento perceber o espaço do museu como se eu fosse o guarda-livros de Fernando Pessoa, no ‘Livro do Desassossego’, que se retira para dentro de si, às vezes através de idéias, às vezes através de imagens. Eu tento, não diria que sempre consigo”. Em seguida, costuma almoçar na Estação Pinacoteca, onde “tem umas saladas ótimas do Paulo Siffert”, ou em restaurantes na região do Bom Retiro.
Junji nasceu e cresceu no Centro. Depois, por três anos, morou na Casa Verde, na zona norte da cidade. “Eu me sentia um estrangeiro durante esse tempo. Não me conceberia mais morando longe do Centro, por mais violenta que seja a profusão de acontecimentos, as paisagens não exatamente belas, os ares não propriamente respiráveis. Não faria o elogio do personagem urbano que se ufana de amar as qualidades invisíveis de sua cidade.”
Há 20 e poucos anos, passou a morar no bairro de Santa Cecília. “É um local interessante porque, por menos que pareça, não é especialmente agitado, mas é muito próximo de tudo o que o Centro e Cerqueira César têm a oferecer.”
Às vésperas da inauguração das mostras de Evandro Carlos Jardim, Thomaz Farkas, Paulo von Poser e Carla Zaccagnini, Junji acompanha as coberturas das mídias impressa, televisiva e de rádio das exposições atuais (Wesley Duke Lee, Roberto Setton, Victor Ribeiro, Marcio Périgo e Carlos Martins) e das vindouras. “Paralelamente, estou finalizando o material de divulgação sobre Gemana Monte-Mór e sobre uma coletiva de artistas brasileiros com curadoria de Olívio Tavares de Araújo e de Leopoldo Nosek, que inauguram em 23 de julho na Estação Pinacoteca.”
Atarefadíssimo, quando percebe, já passam das 18h. Uma hora depois do fechamento da entrada da Pinacoteca, Junji corre para a USP, onde acompanha aulas para fazer seu mestrado na Faculdade de Filosofia. “Só depois de cerca de uma hora e meia de trânsito e ar ‘puríssimo’, chego à Cidade Universitária. Estaria exaurido, não fosse muito gratificante ter aulas de conteúdos tão ricos.”
Depois do corre-corre se prepara para começar tudo de novo. Não enjoa?
“O espaço urbano traça um limite muito tênue entre a privacidade e a invasão. Então, mesmo que violento, o embate pode ser (auto)revelador. Além do prazer de caminhante-voyeur, me parece haver um deleite quase metafísico em desvendar as ruas da região em que a cidade nasceu. Não acho que precisemos de um cenário esplêndido para caminhar e nos encantarmos. Até porque o Centro de São Paulo tem a beleza do que é absolutamente humano, do que traz a excitação de um incessante descobrir-se. A maravilha dos seres existindo aqui se amplia em todas as direções e, por isso, choca e apraz.” (20/07/2005)
Serviço:
Pinacoteca do Estado
Praça da Luz, 2, tel. 3229-9844
De terça a domingo, das 9h às 17h
Ingressos: R$ 4 (grátis aos sábados).