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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Unha e carne com SP

O escritor paulistano Lourenço Diaféria é um observador assíduo da metrópole. Nasceu em 1932, no bairro do Brás, e sempre teve na cidade seu grande tema. “Escrevi diariamente na imprensa durante coisa de mais de 40 anos. São Paulo foi, e era, o objeto principal de meus temas. Natural: a cidade é o cenário onde acontecem fatos que são resumo e síntese de todo o país”, justifica ele. Diaféria explica o início de seu caminhar com a metáfora de um buraco, já que, para ele, a crônica paulistana abriu um espaço vazio desde Alcântara Machado e Mário de Andrade. “Não me restou senão caminhar por estas vias asfaltadas e estes atalhos de mato com cachorros vadios.” Alheio ao mundo informatizado - deu esta entrevista por fax, já que tem desconfiança de email -, também diz detestar lembranças e memórias, “embora finja gostar”. “A cidade continua a arfar. Também respiro, sem emitir bocejos. Não suspiro. Rio menos do que já ri. Faz mais de século que não dou uma boa gargalhada. Olho a cidade com um pé na frente e dois atrás. Nunca tive telefone celular. Não uso relógio há anos. Ando de automóvel com os vidros abaixados. E jamais comi, nem nas horas de desespero, churrasquinho grego”, brinca consigo mesmo. Atualmente, o autor e também jornalista diminuiu o ritmo: “Escrevo pouco, mas sempre quando me pedem. E pedem. Não guardo textos em gavetas”. Foi a convite que prefaciou “Estética da Garoa e Outras Reportagens” (R$ 17; 112 págs.), co-edição do Sesc São Paulo e da Lazuli Editora que transforma em livro conteúdos publicados na “Revista E”, do Sesc. “Não sou especialista em prefácios, nem em posfácios, nem em coisa nenhuma. Mas não me custou o mínimo me debruçar sobre o panorama do livro. Creio que ajuda a gostar da cidade. Ou a desgostar dela. Mas, pelo menos, sabendo os motivos do amor ou do desamor. O que o livro - e o prefácio - não permitem é a indiferença”, conta ele. A coletânea mergulha numa São Paulo sob diferentes miradas ou, como escreve Diaféria em seu texto “A Cidade na Ponta da Unha”, “desvenda as coxas, o umbigo e os calcanhares de um corpo vivo”. “São Paulo não é uma cidade para se jogar fora. Procurando se descobrem coisas. E não procurando, também.” Seu livro “Coração Corinthiano” (1992), por exemplo, revisitou a cidade passeando pelo passado de seu clube mais popular. “São Paulo tem que ser vista da forma que é possível. Pode ser de uma cobertura florida, pode ser pela fresta de um barraco. A única coisa necessária é ter os dois olhos abertos para enxergar tudo o que está em volta de nosso nariz.” “Olho a cidade como observador tranqüilo. Agüento os desaforos e procuro não torcer o pé nos buracos das calçadas. Ando com os pés no chão. E espero sempre abrir o farol verde para pedestres. Quer dizer, faço o máximo para não sentar nas curvas da existência.” Sem maiores implicâncias, vê São Paulo como “um vulcão em constante ebulição de vidas”. E nada melhor para começar uma ebulição do que o Centro. Com a região, Diaféria tem uma relação mais sentimental do que de verbete de dicionário: “Não tenho opinião sobre o Centro da cidade. Ao menos, opinião que mereça ser levada em conta”, diz, com disfarçada modéstia. “É evidente que alguns aspectos continuam a marcar minhas emoções. O Pátio do Colégio, incluindo, claro, a parte interna, que é a mais importante, sobressai. Caminhar, agora, caminho pouco. Sem caminhar, o Centro perde suas referências. Nem sei mais quanto tempo faz que não entro, ao menos para espiar, no velho prédio dos Correios. Visito, com gosto e contrição, o Mosteiro de São Bento, onde pontificam humilde e gloriosamente as imagens feitas por um monge alemão já morto. Porém, como não sou saudosista, encaro com naturalidade a extinção do vetusto Dois Porquinhos, falecida lanchonete onde matei muita fome comendo saborosos sanduíches de cachorro-quente. O Centro da cidade para mim é, hoje, menos que um cartão-postal de papelão.” Para o futuro, reserva seu olhar de não-pedestre para um tema diferente: “Quero, e vou, escrever um livro sobre a minha experiência de avô, que em geral costuma ser livro chato. Como tenho um neto de menos de três anos e uma neta ainda menor, que não fala - ou melhor, fala; eu é que não entendo o que ela fala -, vou tentar caprichar. Todavia não garanto nada. Abração para todos e vamos em frente!”. (31/03/2005)

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