Uma noite sobre o Centro

Uma corrida de táxi pode ser bem mais do que uma solução quando se está atrasado ou quando se quer ir a um lugar meio fora de mão. Principalmente se o seu motorista for o seu João Batista, criador d’O Seu Táxi.
Equipado com jornais, revistas, bebidas - de água-de-coco a vinhos e uísque - e muita simpatia, seu João recebe o passageiro com uma salva de aplausos. “O que é que você fez, menina, que nem saímos e já vai sendo aplaudida”, pergunta-brinca ele, logo de saída. “Eu uso isso para fazer o pessoal entrar realmente no táxi, porque tem muita gente que entra preocupada, com a cabeça no trabalho, e perde todo o tempo da viagem pensando besteira, quando poderia aproveitar para olhar a paisagem ou conversar com as pessoas... Há muita coisa para ser vista em São Paulo”, conta o alagoano que saiu de sua terra para estudar, tentou a carreira de corretor de imóveis, acabou comprando o táxi do irmão caminhoneiro e adotou São Paulo como “sua cidade do coração”. “Sou alagoano por nascimento e paulista por opção.”
A idéia dele é satisfazer os desejos dos passageiros. Mesmo quando eles não sabem o que querem. “Teve um rapaz que entrou no carro triste, porque tinha sido traído. Primeiro, ele ficou bravo, quando coloquei as palmas. Mas depois fomos conversando e ele acabou se abrindo. Passamos o dia inteiro juntos, porque eu o levei até Ribeirão Preto para tomar um chope no bar Pinguim”, conta. “Acabou sendo bem melhor do que eu esperava, porque já era tarde e eu não tinha feito nenhuma corrida.”
Novamente pensando em agradar, criou para homenagear São Paulo um passeio diferente. Por R$ 60 a hora (até o dia 25, depois o preço volta a ser R$ 75), ele leva até quatro passageiros para conhecer o Centro durante a noite. “Eu gosto mais da noite porque fica um clima mais tranqüilo, não tem muita gente nem fica tanta correria. Dá para ver a cidade calma, iluminada, com toda a sua poesia. E tem muito policial espalhado, então nunca há problema. Dá para descer do carro, passear, tirar foto. É bem romântico. Tanto que uma vez fiz as pazes de um casal durante o passeio.”
Como assim?
“É que eu combinei com o marido de pegar a mulher dele e levar flores para ela. Nós nos encontraríamos com ele no meio do caminho e faríamos o passeio. Eles gostaram tanto que tomaram duas garrafinhas de vinho e toda a catuaba que eu tinha. Eles me agradecem até hoje”, explica ele.
Vale a pena realmente conhecer uma São Paulo meio adormecida do corre-corre diário, mais calma, recuperando as forças para o dia seguinte.
Seu João combina o passeio através de sua página na internet (www.oseutaxi.com). “Eu acesso todo dia para ver o que o pessoal precisa e me manda.”
Pega o passageiro no local agendado, mas prefere começar a rota pelo Teatro Municipal. “É central e dá para fazer toda a volta no horário previsto de umas duas horas.”
Se começar mais cedo, sai do Bar do Léo, “que é pro pessoal poder tomar um chopinho antes. Mas aí, normalmente, vamos madrugada adentro”.
Se for a seco, passa pela Biblioteca Mário de Andrade, daí ao Teatro. “Normalmente desço para fazer um monte de fotos. E já saio contando as histórias da inauguração do Teatro, do Shopping Light.”
Segue pelo Viaduto do Chá e até fala de um poema em sua homenagem. Tem as datas na ponta da língua, mas, se esquece algo, já tem uma saída fácil: “Puxo meu livrinho e peço pro passageiro dar uma olhada. Estou sempre estudando, mas às vezes a gente não se lembra”.
Enquanto isso, dirige e capricha na trilha sonora: Altamiro Carrilho, Caetano Veloso, Demônios da Garoa... Tem tudo da música brasileira.
Passa rapidamente pela Faculdade São Francisco, “porque está em reforma. Sobrou pouco para ver”. “Eu mostro aquela estátua do beijo e conto uma história que um casal se beijou em público e foi o maior escândalo. Então fizeram aquela estátua para celebrar a atitude de liberação de costumes. Gostou? Eu que inventei essa história. O povo acredita. Não é verdade. Quer dizer, daqui a algum tempo, de tanto eu contar, talvez até vire verdade. Sei lá”, graceja.
A próxima parada é no Pátio do Colégio, não sem antes mencionar o Solar da Marquesa, que, a tão altas horas, já estava mais que fechado. Mas permanecia imponente em sua fachada, pelo lado de fora.
Descemos de novo, desta vez para celebrar a paz. Após contar a história do Pátio e, por tabela, do nascimento da cidade, sugerindo uma visita durante o dia para ver a parede de taipa de pilão, ele convida a tocar o sino construído na praça para difundir a paz pelo mundo. No chão, estão desenhados os cinco continentes, aguardando pelo badalo. Na hora H, faltou a corda para puxar. Seu João não se deu por vencido e saltitou até badalar. Ecoou por toda a noite do Centro.
Então é a vez do Mosteiro São Bento, onde descemos para andar até o Viaduto Santa Ifigênia e ouvir mais e mais histórias da história de São Paulo.
Voltamos ao carro no instante exato de ouvir o sino do Mosteiro ressoar suas horas. “Já deixo o relógio do carro sincronizado com este para não atrasar a hora de vê-lo tocar. Você sabia que o relógio só parou uma vez? Foi quando o senhor que fazia a manutenção dele morreu. Mas, desde então, nunca falhou. Nem eu!”, ensina.
Em seguida estamos de volta ao Teatro. Mas desta vez para admirá-lo do Vale do Anhangabaú, onde o singelo caminhar não deixa vontade de sair dali. É uma calma que não se vê do alto de um prédio. Só a partir do chão. “Aqui sempre tem fila para fazer foto. O pessoal quer fazer pose com o Guarani, mesmo que seja para ser flechado.”
De lá, seu João convida para um drinque. Pode ser no Bexiga, na cantina Cê que Sabe ou no Bar Brahma, que fica na esquina mais famosa do Brasil. “Afinal, a noite ainda nem começou.” (23/01/2005)