Roda viva

Por Lígia Nogueira
A paisagem caótica da Rua Sete de Abril nos convida a dar uma olhada mais de perto em tudo o que aqueles prédios antigos do Centro podem esconder. Mesmo que esse “mais de perto” seja entrar nos edifícios como se estivéssemos invadindo propriedades particulares. Dia desses, passando pela segunda esquina à esquerda de quem anda no sentido da Praça Dom José Gaspar, encontrei um desses lugares que nos sugam, por algum motivo que não fica claro logo no primeiro relance. Não havia nada de mais, aparentemente, mas algo naquele edifício chamava atenção. E nem era tanto pela imensa porta verde, daquelas pesadonas, de antigamente, toda decorada com círculos imensos. Quem entra dá de cara com uma escadaria em espiral, alem de elevadores antigos – daqueles que têm um ponteiro em cima da porta marcando os números dos andares, em alto relevo.
Não foi difícil encontrar o caminho certo: era só seguir a música que vinha do andar superior. Carlinhos conta que o negócio começou na rua. O dono da Disco 7 é desses caras tímidos, que não falam muito de si. Mas, se ele sacar qual é o seu gosto musical, não vai te deixar perdido no meio do acervo da loja, que reúne mais ou menos uns 3 mil discos de vinil. E, quase sem querer, vai te contar histórias de músicos obscuros como Marconi Notaro, que tocou com Zé Ramalho e Lula Cortez lá nos idos dos anos 60 e 70. Ele lançou um único disco em 73, "No Sub Reino dos Metazoários". O exemplar disponível na loja é autografado e atualmente ocupa o posto de bolacha mais cara do estabelecimento: mil reais.
Colocamos o vinil na vitrola – sempre disponível aos visitantes e amigos da casa – e a conversa gira. “É um som psicodélico, pra mim é até meio difícil de ouvir”, diz Carlinhos. “Meu negócio é black e regional, um Jackson do Pandeiro ou uma Marva Whitney”, diz, apontando para um exemplar de ‘It’s My Thing’, de R$ 100, uma das belas capas que adornam a parede.
Mas como é esse negócio de ter o disco um dia e no outro não ter mais? “Tenho poucos vinis em casa, por incrível que pareça. Devo ter uns 100, mais ou menos.” Os discos vão chegando pelas mãos dos amigos e alguns contatos de longa data. “São eles que fazem a correria”, define Carlinhos. Família que muda de casa e quer se desfazer da coleção, acervos de rádios, principalmente do interior, e até sebos grandes, como um galpão na Rua da Mooca, são a fonte da Disco 7. Trata-se de um verdadeiro exercício de desapego. “Se me interesso por alguma coisa eu levo pra casa, dou uma namoradinha uns dias, ouço umas 20 vezes e depois vendo.”
Assim como os discos que entram e saem da loja de Carlinhos, os endereços no Centro mudam com uma rapidez impressionante. A lojinha que dividia espaço com outras quatro em um antigo prédio na Sete de Abril ocupa, há cerca de três meses, uma unidade da Galeria Nova Barão, uma simpática rua (a Nova Barão) que foi transformada em boulevard. Bem diferente do predinho discreto ao lado de uma lanchonete, a galeria tem um terraço cheio de plantas com mesinhas ao ar livre e um andar inteiro só de cabeleireiros. “Estou gostando daqui, porque tem muito mais movimento”, diz Carlinhos. E a qualidade dos “achados” – a partir de 10 reais, diga-se – continua a mesma. Modern Jazz Quartet com Laurindo Lameida, a trilha de Shaft, Parliament, Isaac Hayes... Está tudo ali, e com desconto, que o Carlinhos sempre faz. Mas, ao ouvinte desatento, um alerta: há discos que poderiam ser comprados só pela beleza das capas. Esses custam em torno de 80 ou 100 reais, e estão lá pra quem estiver disposto a enfiar a mão na poeira e fazer a festa. “Disco é que nem remédio”, avisa Carlinhos. “Tem gente que se contenta com Doril. Outros caras precisam mesmo é de morfina.” (03/12/2004)
Serviço:
Disco 7
Rua Nova Barão, loja 24.
Tel.: 3231-1193