São Paulo que diz não

O cineasta Matias Mariani, 24, convidou a cidade para “co-dirigir” seu curta-metragem “O Não de São Paulo”. “Sempre tive uma vontade muito grande de fazer um filme em São Paulo, sobre São Paulo. Sempre tive grande atração por essa cidade que, não sendo de criação [ele nasceu em SP, mudou para o Rio aos cinco anos e voltou a SP aos 15], considero ser minha cidade de vocação”, conta Mariani.
A partir daí começou o processo de criação do filme, nascido basicamente das próprias locações. “Estava cabreiro um dia, querendo escrever um roteiro que estava difícil de parir. Contei minha angústia, entre um chope e outro, para o fotógrafo Mario Rui Feliciani. Ele então me disse para não me preocupar, que ele me levaria em um passeio pelos seus pontos favoritos de fotografar na cidade. E fomos nós.”
Passando um por um pelos locais que estão no filme -- São Caetano, Sé, Rua General Osório, Rua Duque de Caxias--, a história foi se enredando. “Meramente unimos os pontos geográficos com linhas narrativas, que surgiram espontaneamente do passeio.”
Segundo ele, as filmagens foram “corridas, tensas, ótimas”. “Na Sé, filmamos escondidos num hotel do outro lado da rua, com uma lente zoom. A figuração toda presente na cena realmente não sabia que estava sendo filmada.”
Daí, a produção ter sido cercada de várias histórias. Uma delas, por exemplo, ocorreu na Rua General Osório, a rua dos motoboys. “Como lá é um verdadeiro mercado de peças de motocicletas de todos os tipos e tamanhos, algumas de procedência um tanto quanto duvidosa, a tolerância por câmeras nas imediações é baixa. Nós ouvíamos histórias de repórteres apedrejados, gente fugindo correndo. Estávamos, portanto, morrendo de medo de entrar com a nossa câmara nessa rua. A solução foi conseguir apoio de um comerciante influente na região.”
O nome escolhido foi um tal Caverna, da Caverna Motos. “Chegamos à oficina, e o sujeito era um barbudão gigantesco, bastante emburrado, que nos deu um ‘não’ antes de terminarmos a frase. Neste momento o Marcelo Maia, meu produtor, teve a brilhante idéia de elogiar o estabelecimento de ‘Seu Caverna’. Ele abriu um sorriso modesto, no qual o Maia emendou: ‘Matias, podíamos filmar a cena aqui, não?’. O Caverna abriu então um sorriso inteiro, envaidecido de a oficina dele entrar num filme.”
O título veio junto. “Mas não sei muito bem por quê. Na minha cabeça funciona mais ou menos assim: o ‘não’ que São Paulo diz a todos nós.”
O curta foi exibido no MIS, durante a mostra “Panoramas SP”, terminada no último dia 4. “Tive a sorte de mostrar no MIS. Vou mandar para festivais, vamos ver o que acontece”, torce Mariani.
Ao ver do cineasta, São Paulo não tem sido corretamente representada no cinema brasileiro atual. “Apesar de ter passado na cidade carioca anos muito importantes da minha vida, nunca senti por ela nada de singular. São Paulo sempre foi um lugar muito mais especial para mim, muito mais vibrante e interessante. Enxergo São Paulo como um bicho que cresce sem parar, cada vez mudando de pele, cada vez mudando de cores. Um apetite imenso, acho que é essa a sensação que tenho com São Paulo. E o Centro é o coração disso tudo, um coração carcomido, envelhecido, malcuidado, mas um coração sem dúvida nenhuma. Essa cidade merece ter cada detalhe e idiossincrasia sua minuciosamente descrita cinematograficamente.”
Necessidade essa que “O Não de São Paulo” com certeza ajuda a diminuir. (06/07/2004)
Serviço:
O Não de São Paulo
São Paulo, 22 minutos, 2004
Direção: Matias Mariani
Elenco: Otavio Martins, Flávia Garrafa, Alexandre Freitas e Ana Kerley.