Não dá para ficar indiferente

Thiago Salla tem o privilégio de poucos: uma ampla vista de São Paulo da janela de seu apartamento, que fica no bloco B do Copan. Este, aliás, foi um dos motivos pelo qual ele resolveu se mudar para o apartamento 3111 em janeiro de 2003.
De um ponto tão alto, dá para distinguir as construções mais características, como o edifício Banespa e a Catedral da Sé. Dá para ver todas as antenas da avenida Paulista e até para adivinhar se no litoral está mais ensolarado ou mais nublado que aqui, porque também dá pra enxergar a Serra do Mar.
“Estava morando no quilômetro 15 da [rodovia] Raposo Tavares. Era muito legal, a gente via as estrelas, o ar é mais puro. Mas ficava muito corrido para eu vir trabalhar na Folha [de São Paulo, que é no Centro] e depois ir para a USP, tudo de ônibus. Além disso, me sentia muito isolado no fim de semana, queria ficar mais próximo de teatros e cinemas. Então vim para cá”, conta ele.
O único problema de morar tão alto, segundo ele, é que é preciso tomar cuidado com urubus e morcegos. “Quando começa a anoitecer, precisamos fechar as janelas, porque às vezes eles entram aqui. Já entrou um morcego no apartamento aqui do lado”, diz.
Thiago veio de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, para cursar jornalismo na USP. (Agora estuda letras, também na universidade.) Ele morou em diversos locais da cidade antes de ir para o Copan. Adora o edifício e o Centro, mas talvez tenha que se mudar em breve. É que ele e a namorada, Daniela – que acompanhou a entrevista e é “praticamente uma moradora do Copan” – têm planos de morar juntos.
“Gostaríamos de morar aqui. O problema é que os apartamentos maiores são muito caros. E não dá para morar em dois numa quitinete”, pondera ele. Ela concorda. “Os dois precisam de espaço.”
Thiago afirma que nunca teve medo de violência no Centro. “Aqui no máximo tem trombadinha. O que realmente me incomoda é que a pobreza está estampada na sua cara a todo o momento. Tem os meninos que dormem aqui na frente do prédio do Bradesco, por exemplo, e eu os vejo todo dia. É difícil passar por estas pessoas e ficar indiferente”, diz.
“Eu sempre me pergunto qual é a nossa parcela de responsabilidade daquelas pessoas estarem naquela situação. Talvez, para quem mora em bairros onde as pessoas têm maior poder aquisitivo, fique mais fácil ignorar esta situação. Mas diz que para quem está no Centro, a miséria está bem ali.”
(23/05/2004)