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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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A São Paulo de Mário

Um Mário de Andrade diferente surge de cinco pequenos textos feitos entre novembro de 1920 e maio de 1921. Escritos para a revista "Ilustração Brasileira", foram agora reunidos em "De São Paulo: Cinco Crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921" (ao preço de R$ 20; 120 págs.), com uma introdução, que muito acrescenta ao conhecimento sobre o desenvolvimento da carreira do autor, feita por Telê Ancona Lopez. A pesquisadora foi responsável por trazer à tona esses escritos do início da carreira do autor, nos quais se pode distinguir seus passos rumo ao modernismo. "Assim que ele escreve e imediatamente publica esses textos, Mário e o então nascente modernismo encontravam em São Paulo o signo do século 20, conforme lhes apontavam as vanguardas européias", diz Telê. Em seu prefácio, ela conta que "no jornalismo de Mário quem primeiro aparece, em 1915, é o aluno do Conservatório Dramático e Musical (...). Tem 25 anos. É católico e congregado mariano". Cinco anos depois, surge a oportunidade de colaborar para a Ilustração Brasileira. O próprio Mário é quem explica suas intenções ao escrever para a revista em seu segundo texto: "Nestas cartas dois são os meus propósitos. Procurarei realizá-los pouco a pouco, se para tanto o engenho me sobrar. A todo este larguíssimo Brasil, que a revista sem dúvida abraçará, ao mesmo tempo que tenciono mostrar o movimento artístico e literário da gente paulista, é intuito meu explicar a enigmática cidade que a todos os que a não observem amorosamente ou lhe queiram bem guarda-se num mutismo de desdém ou se entreabre num gesto de agressão". Telê, por sua vez, complementa: "Contar a vida em São Paulo, nessas crônicas que valiam como uma espécie de cartas destinadas ao Brasil, posto que saíam numa revista da então capital da República - o Rio -, não significava 'defender' São Paulo, mas assumir uma posição, valorizar e difundir a renovação artística e cultural que aqui se desenhava". O Mário cronista que surge a partir desses cinco textos ainda não atingiu a ironia moderna que ocupará seus escritos futuros, mas já se pode sentir as alfinetas que disfere a alguns de seus inimigos da pena e das artes. "Creio que isso é a marca dos grupos, das correntes da literatura e das artes em todos os tempos: eleger mestres no passado e no presente, sustentar e difundir um projeto compartilhado e defendê-lo dos ataques", diz a pesquisadora. Mário de Andrade nasceu na Rua Aurora e sempre viveu perto do Centro. Muitos poemas de seus livros "Paulicéia Desvairada", "Losango Cáqui" e "Lira Paulistana" focalizam essa região, assim como crônicas e também contos. Contudo Telê faz uma ressalva: "Não foi o Centro que fez o modernismo, mas um conjunto de circunstâncias histórico-culturais. Creio que, se envolvermos o modernismo em idealização e saudosismo, estaremos perdendo o melhor da lição dos modernistas: a visão crítica do tempo em que se vive efetivamente". "De São Paulo", agora editado pela Senac em co-edição com o Sesc São Paulo, cumpre também a tarefa histórica: recuperar e divulgar o soneto "Anhangabahú", de Mário, que nunca foi editado em livro. Termine a leitura sonhando com Mário: Fino, límpido rio, que assististe,
em épocas passadas, nas primeiras
horas do dia, a despedida triste
das heróicas monções e das bandeiras;

meu Anhangabahú das lavadeiras,
nem o teu leito ressequido existe!
Que é de ti, afinal? Onde te esgueiras?
Para que vargens novas te partiste?

Sepultaram-te os filhos dos teus filhos;
e ergueram sobre tua sepultura
novos padrões de glórias e de brilhos...

mas dum exílio não te amarga a idea:
levas, feliz, a tua vida obscura
no próprio coração da Paulicéa!
(07/05/2004)

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