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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Um século de jornalismo

É quase um século de história da vida brasileira --e principalmente paulistana-- que foi registrado pelas lentes do jornalista Primo Carbonari. Em seu cinejornal “Amplavisão”, criado em 1929 e extinto em 1990, quando a Embrafilme chegou ao fim no governo de Fernando Collor de Mello, Carbonari retratou eventos sociais, evoluções da medicina, esporte, roubos, acontecimentos extraordinários e a política de São Paulo, servindo-se de uma brecha na lei que obrigava os cinemas a transmitirem um mínimo de dez minutos de produção nacional antes de qualquer filme. E lá passava um cinemão de Hollywood da época, mas não sem antes exibir o “Amplavisão”. Transformou-se no maior acervo de imagens privado do Brasil. Hoje são mais de 3.000 edições do cinejornal, que buscam restauração e catalogação. O projeto vem sendo encampado pelo produtor Eugenio Puppo, que descobriu as maravilhas do acervo pelas mãos de Regina Carbonari, a filha de Primo. “Comecei a ver o material e fiquei empolgadíssimo. Desde então passei a trabalhar no projeto”, conta Puppo. Dividido em várias fases, a atual é a captação de recursos, com o auxílio de um curta de oito minutos homônimo ao cinejornal. O custo total é estimado em R$ 1,4 milhão. “É o preço hoje de um longa de baixo orçamento”, explica Puppo. Com esse dinheiro, será feita a catalogação das 8.000 latas, relatando o que tem dentro de cada rolo de filme. “Em seguida, vamos fazer um longa com imagens escolhidas a partir do acervo do Primo Carbonari. Vamos restaurar e telecinar (passar de película para o vídeo) o arquivo. Esse material será o ´bruto do bruto´ a ser escolhido para fazer o longa, que também terá imagens atuais de São Paulo. Depois vamos restaurar digitalmente o que for entrar no filme.” O Estúdio Mega é co-produtor do empreendimento, junto com o acervo do Primo Carbonari, que também conta com apoio da Cinemateca Brasileira. “A idéia é pegar a sala já existente, na Casa Verde, que é equipada com moviola, salas de reuniões, depósito, videoteca etc., e reorganizar o acervo. Vamos limpar, colocar prateleiras, ar-condicionado e tudo o que for necessário para conservar os rolos”, diz Eugenio Puppo. Dentro do baú - “Boa parte do acervo mostra acontecimentos no Centro, porque o Centro sempre foi o ponto nevrálgico da cidade”, afirma. “Até uma década atrás --e agora está voltando--, os grandes bancos e matrizes tinham suas sedes lá. Carbonari filmou, por exemplo, um grande assalto ao Banco do Brasil em 60, na agência do Centro.” Nas latas também estão guardadas uma grande manifestação, a vida social da cidade, o artista plástico Victor Brecheret esculpindo o Monumento às Bandeiras dentro do Liceu de Artes e Ofícios e a primeira exposição individual de Anita Malfatti, realizada na Casa Mappin. “Praticamente todos os visitantes ilustres que passaram por São Paulo foram filmados por Carbonari: artistas, esportistas, diplomatas, presidentes etc. Em todas as corridas São Silvestre e importantes manifestações populares, ele esteva presente. A história de São Paulo está viva nesse acervo.” Assim que reunir o dinheiro necessário, o longa deve ficar pronto em oito ou nove meses. “Faremos uma versão de 40 a 50 minutos, que será mais musical, voltada para apresentações ao ar livre; uma segunda, de até 90 minutos, mais densa e reflexiva, para salas de cinema e circuitos comerciais; e uma versão para a televisão.” A dificuldade maior agora é o tempo. “A gente vai ter de abrir todas as latas, porque nem a família Carbonari sabe tudo o que tem lá dentro. E temos de agir rápido, porque o acervo está se estragando”, completa. É mais uma luta contra o descaso da memória no Brasil. (04/04/2004)

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