Concurso Sampacentro - Centro sem preconceito
Por Walter Tabacniks, da Praça Julio Prestes
“eles têm Manhatan. Nós, Manratos: sempre concentro!”
Autor desconhecido.
Já se passou meia gravidez. Sei: no mundo dos números, os tempos são de dez, cinqüenta, quatrocentos e cinqüenta; o que são quatro meses e meio?
Que tenham motivos para comemorar. Mas o prédio em que moro, construído em 1954, não deveria também comemorar? Comemorar o quê? As placas de mármore de carrara furadas para pendurar quadros de aviso, ou corrimãos arrancados para alargar o vão da escada? Portas de alumínio instaladas defronte a porta principal de ferro desenhado, para impedir que os mendigos mijem nos cantos do vão de entrada?
E o prédio vizinho, não deveria comemorar o conserto de 10 anos de telhado furado chovendo nos “moquifos” que ali abrigam milhares de pessoas?
Tem uma série de cobertores rotos que pesam sobre cabecinhas frágeis que devem estar comemorando 5 anos de vida nas ruas, ou dez, e ainda alimentados por “nóias” diárias. Não é fácil.
Fazer aniversário nem sempre é fácil. Nem sempre é legal. Também tenho motivos para sorrir: meus pais comemoram 50 anos de casados este ano. Meu irmão faz 50 anos! Meu pai 80! Muitas festas...
Meia gravidez, são 4 meses e meio que decidi mudar minha vida. Separei-me da minha esposa, perdi o emprego e comprei um apartamento em frente à Sala São Paulo.
Muitos de meus amigos se afastaram por acharem tudo perigoso. Quando os convido para vir aqui perguntam onde deixar o carro, como devem vir, que calçada andar, telefonar antes, eu ir buscar, ai que mêda...
Eu não entendo o ser humano. A violência não tem casa certa. A diferença do centro para o resto dos bairros paulistas é cosmológica: vamos viajar.
O poder de uma nebulosa formadora de estrelas é imenso. Engole tudo que está à sua volta. Todos os tipos de matérias químicas, sem distinção de raça, credo, condição alimentam o centro da nebulosa. Ela é poderosa sim, mas graças à abundância de matérias ecléticas à sua volta. O centro de São Paulo é isso. Uma nuvem de implosões e explosões engolindo tudo à sua volta para manutenção e sustentação de seu poder. E os resultados são estrelas definidas, fortes, que conseguem pelas explosões distanciar-se e ter vida própria.
Que vida haveria de ter em circunstâncias universais sem uma miscigenação química rica e abundante? Quais corpos celestes? Que poder?
O poder é portanto essa vaga contradição de ter tudo e não ter nada. Mas a certeza de existir. Porisso gosto do centro. Aqui tudo existe, tudo é visivel, todos os problemas são expostos. A palavra aqui vale mais que um contrato. A lei também é mais poderosa. Quebrou a palavra, a parte prejudicada faz sua própria justiça. Pode ser mais dolorido mas é mais rápido. Coisas do poder do centro. Engolindo outros corpos químicos, mais enfraquecidos.
Ah, você diz, caro leitor, que na sua região arborizada não tem dessas coisas? Asseguro-lhe, as paredes são grossas por aí, e a flagelação também acontece, mas você enxerga dentro de buracos negros? Pois tudo aí é um tanto velado, sei. E por ser dentro de seus respectivos lares, você não toma conhecimento.
Sou mais pela vida revelada, nas ruas,
em cores ou em preto e branco. Não temos vergonha de viver. Alto falantes gritam “Aleluia, irmão!” com a mesma força que um casal de gordos testa a potência dos alto-falantes de um karaokê num bar em frente. Quem for mais forte engole o outro. É a lei do centro. A lei da sobrevivência, do caos da existência. Assim o centro, assim o universo.