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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Concurso Sampacentro - <b>Sorrisos Eternizados</b>

Por Luciana Fátima

— Vai uma foto aí, senhora?
— Não, obrigada.
— Vamos guardar os momentos felizes, moço?
— Estou sem dinheiro.
— Recordação dos bons momentos... Vai hoje?
— Quanto é?
— Uma por oito, duas por quinze, três por vinte.
— Queria mandar uma lembrança para minha mãe. Foi aniversário dela, sabe? Mas faz tanto tempo que eu vim para esta cidade... acho que ela nem vai me reconhecer na foto!
— Vai sim! Uma mãe nunca esquece dos filhos.
— Tá bom. Quero aquelas flores no fundo. Dá para tirar?
— Dá sim; sorria... esta foto vai ficar muito bonita.
— Não... fico melhor séria, nunca fui muito fotogênica, sabe? Demora muito, moço? Estou com pressa...
— Não. Já bati. Agora é só esperar um pouquinho que seca rápido...
— Nossa... ficou boa mesmo! Minha mãe vai amar. Obrigada.
— Se vai! Ela vai guardar você para sempre! *** Há mais de 30 anos ele fotografava pessoas nas imediações do Centro de São Paulo. Com sua antiga câmera polaróide, fazia a felicidade daqueles que queriam eternizar pelo menos um momento de descontração em suas vidas. Antigamente, conseguia vender muitos instantâneos. Pessoas alegres, sorridentes e que não precisavam de muito para serem felizes. No entanto, hoje em dia, além de não quererem ser retratados, seus clientes não sorriam mais. Apesar da aparente crise de felicidade das pessoas, tentava sobreviver fazendo suas promoções na tentativa de atrair mais compradores para suas imagens. “Uma por oito, duas por quinze e três por vinte!” Continuava ele pelos arredores do Vale do Anhangabaú, cada vez menos freqüentado, tentando registrar sorrisos amarelos para ganhar a vida. De uns tempos pra cá, porém, começou a encontrar dificuldades financeiras devido à escassez de procura por seus serviços. Para colaborar com sua ruína, a Polaróide parou de fabricar os filmes que possibilitavam registrar seus instantâneos. *** — Pois não?
— Quero filme para a polaróide. Tem?
— Temos sim, mas está custando cinqüenta.
— Tudo isso?
— Pois é. São as últimas peças. Eles pararam de fabricar.
— É... eu sei. Mas com esse preço, não vou conseguir ganhar quase nada com minhas fotos. *** Tentou outro ponto no Parque da Luz, mas o que vendia ainda era muito pouco. O dinheiro que ganhava era insuficiente para pagar os caros filmes remanescentes nas lojas especializadas. Depois de uma série de tentativas inúteis, resolveu aposentar sua querida câmera. Não saía mais pelo Centro em busca de momentos felizes, apenas sofria em silêncio com os raros que presenciava. Em um dia de inverno, seus colegas de jogo de damas do parque estranharam quando chegaram e não o encontraram no banco de sempre. Procuraram-no em sua pobre casa mas ele também não estava lá. Somente encontraram sua velha polaróide, deixada cuidadosamente sobre a cama. O fotógrafo nunca mais foi visto. Alguns poucos sentiram sua falta e comentavam que seus olhos, tão acostumados a ver a felicidade alheia, não mais registrariam os instantâneos momentos alegres e não mais cintilariam quando vissem ali, na mesma hora, os sorrisos eternizados nos lábios de seus clientes.

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