Histórias medonhas no Centro
Por Giuliano Ventura

No fim de agosto de 2000 mudei para São Paulo. Cheguei sem parentes ou amigos próximos e passei a primeira noite no chão da sala da casa de um amigo de um professor da faculdade, até dar tempo de arranjar algum lugar para ficar alguns meses. Aquela deve ter sido a noite mais fria em São Paulo em muito tempo (morei dois anos lá e não lembro de outra igual), e o tal amigo do professor que me cedeu um canto, bendito seja, mal tinha um cobertor para emprestar.
No outro dia, fiquei sabendo que alguém da família tinha contatado uma parente distante que morava na cidade. Eu não a conhecia, era filha da prima de segundo grau da minha avó e disse que eu poderia ficar em sua casa algum tempo. Aí começa a minha jornada pelo centro de São Paulo. Fui muito bem acolhido no apartamento em que ela morava com o marido, na região próxima a sede da Folha de S. Paulo e, eu descobriria mais tarde, da famigerada “Cracolândia”, velha conhecida de reportagens sensacionalistas dos noticiários da TV.
Como eu não sabia se iria ficar mais de três meses em São Paulo, não poderia alugar nada. Teria que apelar para uma pensão ou hotel. Após alguns dias de procura por pensões que poderiam figurar em qualquer reportagem investigativa sobre o submundo do crime, resolvi aceitar o conselho de meus novos parentes e ficar num hotelzinho perto deles, ali na Santa Cecília mesmo.
Ia me acomodar num bem baratinho, mas desisti ao verificar que o quarto não tinha trava na porta. Aí era demais. Sem pensar no bolso, fui para o mais caro, o Jandaia, onde havia café da manhã legal, TV e, mais importante de tudo, eu tinha certeza que as portas trancavam. Pode parecer pouco para um paulistano, mas para quem chega da província, nos primeiros dias qualquer estouro que se ouça é motivo para se jogar no chão com medo de bala-perdida. Tudo bem, nunca fiz isso, mas conheço quem fez. É para ter uma noção do que os programas como Cidade Alerta fizeram pela fama da cidade.
Foi no Jandaia, de onde só escapei dois meses depois muitos reais mais pobre, que as histórias medonhas referidas no título aconteceram. Vamos a elas:
História medonha 1: “Tic Tac”
Sabe aquelas tardes de domingo em que você está assistindo televisão contando o número de quadrados no piso por falta de algo melhor para fazer? Aquela mistura de desejo que o dia passe de uma vez misturado com o temor da segunda-feira próxima? Pois então, era uma dessas tardes, com o agravante que eu estava a 750 Km de casa, sozinho num quarto do magnífico hotel Jandaia, no centro de São Paulo.
Eu zapeava entre Gugu e Faustão, meio cochilava meio acordava em frente à TV, quando acabei ficando um pouco no SBT. Estava rolando a bem conhecida alegria incontrolável no palco do Domingo Legal, apresentado pelo inigualável Gugu Liberato. Toda aquela “abundância” no palco e eu quase dormindo de novo, quando o apresentador anunciou um Telegrama Legal (pegadinha com artistas) novo, que seria engraçadíssimo e tudo mais.
Começa a tal da pegadinha com o grupo Carrapicho, anomalia amazônica que, dizem, fez sucesso na França com aquela singela canção dos versos “Bate forte o tambor / Eu quero é tic tic tic tic tac”. Atores do Domingo Legal falam desaforos ao vocalista com cara de pajé pra turista e suas duas dançarinas de biquíni de coco (não pergunte). Para meu desespero, o lugar onde está acontecendo a pegadinha me parece terrivelmente familiar. Era isso, era o salão de café da manhã do hotel, onde eu comia um pão com margarina toda manhã. Consegue imaginar o que é estar num lugar que é cenário de pegadinha com o Carrapicho feita pelo Gugu?
Daquele momento em diante fiquei morrendo de medo de sair do quarto e encontrar as câmeras do Domingo Legal pela frente. Já pensava em maneiras de sair escondido do quarto, ou sair do hotel sem usar o elevador, me esgueirando pelas escadas, quando me dei conta do óbvio: aquilo era material gravado, eu já passara pelo perigo alguns dias antes e não havia percebido nada. Aproximava-se o fim da tarde e tomei coragem para pegar o elevador e descer até a mercearia comprar uma bolacha Divertidos. Como sou um sujeito de sorte, não deu outra. Entrei no meio de transporte vertical e dei de cara com o pessoal do Carrapicho. Graças a Deus não estavam paramentados, mas foi o suficiente para eu começar a procurar um outro lugar para ficar em São Paulo.
História medonha 2: “O ocaso do astro”
O mesmo hotel Jandaia, uns quinze dias depois do Telegrama Legal com o Carrapicho. Eu estava saindo para um curso que estava fazendo na Zona Oeste, atrasado como sempre. Fui entregar a chave do quarto na recepção, olhei para o lado e tomei um susto. Não podia! Era surreal (odeio essa palavra, mas infelizmente não encontrei outra para descrever a situação). Sim, ali próximo estava um dos mais célebres astros do programa “Qual é a música?” nos anos 80. Sim, um dos cantores popularizados pelo “seu” Sílvio. Sim, aquele que numa entrevista, perguntado como fazia para ser tão bonito, respondeu que isso era de família, que todo mundo nela tinha pele boa e cabelo bom.
Sem mais delongas, o inigualável Ovelha estava não diante de mim, mas ao meu lado, conversando com o gerente do hotel. Dada a importância do astro, mesmo atrasado resolvi enrolar um pouco para ouvir do que se tratava a conversa.
- Seu gerente, estou com um moço fotógrafo da Istoé Gente aqui comigo, ele quer tirar umas fotos minhas para pôr na revista – disse o popstar.
- Hummm... – rosnou o gerente, com sua simpatia habitual.
- Pois é, será que não dava pro sr. ceder o espaço do salão lá em cima pra gente tirar as fotos?
- Veja bem, teria que falar com o proprietário.
- Mas é rapidinho, só pra tirar as fotos pra Istoé Gente.
Não deu. O cara não deixou nem isso. E o ocaso do outrora astro Ovelha deu-se na calçada em frente ao hotel. Ali foi o único local disponível para tirar as fotos.