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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 25.35 ºC, São Paulo

Noiva de Castro Alves vaga pela Sé

“Para chorar as dores pequenas,
Deus criou a afeição.
Para chorar a humanidade - a poesia.”

Antonio Frederico de Castro Alves, o Cecéu

Nossos olhos seguem uma mulher desconhecida. Ela, vestida de noiva, rota e descalça, vaga pelo Centro em busca do noivo. Parece de muito abandonada, mas ainda caminha, questiona pessoas, procura o amado, enquanto se perde na vida. O nome dele: Castro Alves (1847-1871). Sim, se trata do poeta baiano autor de “O Navio Negreiro”, morto há tanto tempo. O dela: Idalina. Mas a história não é de todo real. O curta-metragem “Imensidade”, de Amilcar Claro, foi inventado a partir de uma idéia da própria “desvalida”, a atriz Débora Duboc. O filme, recém-exibido no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que termina no dia 7, e que incorpa a maratona de filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a se realizar em outubro, baseia-se em pessoas reais, entrecortado por versos de “O Navio Negreiro”. “No nascer da idéia, demos à história o nome de ‘A Noiva de Castro Alves’. Com o tempo, decidi alterar o título, pinçando a palavra ‘imensidade’ do poema ‘O Navio Negreiro’”, conta o diretor Amilcar Claro. “E ‘Imensidade’ era uma palavra pouco usual, forte e bela, que servia de metáfora para a cidade de São Paulo. O som também nos remete a idéia de cidade imensa -- imen(s)cidade--, como é a metrópole paulistana.” Abandonada à própria desgraça, a personagem de Duboc vai nos apresentando a obra de Castro Alves enquanto caminha: “Dorme, cidade maldita, meu sonho de solidão”. E nos conduz para a Sé --“A praça é do povo, assim como o céu é do condor”--, interrogando os passantes sobre o paradeiro do amado. “Foi um mergulho no escuro total. Como era um filme de interação entre ficção e realidade, nada nos garantia que a realidade entraria com sua parte de forma satisfatória. Além disso, tínhamos toda a preocupação com a segurança da atriz, afinal ela iria ficar solta em um ambiente que não era o dela, no meio de pessoas talvez não gentis e que não sabíamos como a receberiam”, explica Claro. “Estávamos errados. Idalina teve instantânea aceitação pelos sem-teto reais, ‘seus pares’, ao ponto de, nessa interação, emocionar e levar a atriz às lágrimas, como mostra parte das conversas do filme, que pode ser ouvida, em off, durante a apresentação dos créditos finais do filme.” Momentos como esse foram filmados à distância, muitas vezes pela equipe escondida dentro de um hotel, com uma teleobjetiva. “A atriz tinha um microfone de lapela escondido sob um turbante, e tínhamos o técnico de som sempre perto dela, com outro microfone, oculto sob placas improvisadas de homem-sanduíche”, diz Claro. A errante personagem vai se misturando à cidade, e a cidade responde, se misturando às suas recordações, às suas viagens. “Considero a Praça da Sé e suas adjacências a principal e mais significativa locação do filme. A praça, repleta de jardins, de chafarizes, de moderna e bela arquitetura, de obras de arte de valor, com esculturas de alguns de nossos maiores artistas, se contrasta com sua serventia atual: de moradia para a mais escandalosa e escancarada miséria humana.” “Há várias situações, em que ela está só, que foram ensaiadas. No entanto, sua interação com as pessoas pelas ruas da cidade é verdadeira, porque a escravidão dos negros cantada no passado pelo poeta e a escravidão dos desvalidos de nossos dias também são reais.” (02/09/2003)

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