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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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O quadrante de Paulo Autran

Aos 80 anos, Paulo Autran sobe ao palco como quando tinha 25 anos, idade de sua estréia no teatro. O ator declama, de memória, trechos e mais trechos de espetáculos tão variados quanto “Variações Enigmáticas”, montada em julho em Minas Gerais, e “O Quadrante”, que cumpre temporada até domingo no Teatro Aliança Francesa, na Rua General Jardim. “É ali pertinho da Praça da República”, indica. “Eu imaginava que não houvesse mais ninguém para assistir a ‘O Quadrante’, mas tenho lotado sexta, sábado e domingo. A platéia estava entusiasmadíssima.” Carioca, seu envolvimento com a cidade não tardou a aparecer. Aos seis anos, a família Paquet Autran se mudou para São Paulo. “Eu morei perto do Centro, no início da Avenida Nove de Julho, mas acabei saindo porque foi uma parte da cidade que se deteriorou muito rapidamente”, conta o ator. “Depois estudei direito na Faculdade Largo de São Francisco. Naquela época, fazia lanche numa doceria na Praça Patriarca, ao lado da igreja. Eu me formei em 1945 e exerci a profissão por sete anos, num escritório que ficava na Rua Quinze de Novembro, 200.” Direito? “Pois é... Eu achava que ia ser diplomata no Itamaraty. Então o caminho era me formar em advocacia e depois prestar concurso. Mas, estudando direito, percebi que não tinha menor vocação para diplomacia. Sou o antidiplomata por natureza”, brinca. Dois anos depois de formado advogado, Autran encontrou sua verdadeira vocação: o palco. Em 1947, participou da encenação de “A Esquina Perigosa”, texto do inglês J.B. Priestley, com o grupo Os Artistas Amadores. “Foi um sucesso. Naquele tempo, os espetáculos amadores eram sempre encenados no Municipal, porque os outros teatros estavam ocupados com as companhias cariocas. São Paulo não tinha nenhuma companhia de teatro. A gente fez um fim de semana lá. Foram três dias praticamente lotados e o grupo do Alfredo Mesquita foi ver, gostou muito do espetáculo... Logo depois, abriu o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], que no início era só para amadores também, e nós refizemos o espetáculo, que ficou em cartaz por duas semanas.” Sem superstição, 13 de dezembro de 1949 é a data que considera sua estréia profissional, com “Um Deus Dormiu Lá em Casa”, ao lado de Tônia Carrero, papel com o qual ele ganhou o prêmio de melhor ator daquele ano. Com 85 montagens na bagagem, mais de 50 anos de carreira no teatro e no currículo novelas como “Pai Herói”, filmes como “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, e minisséries como “Hilda Furacão”, Paulo Autran ainda não se considera um mito. “Isso é só na cabeça dos outros, para mim, não sou mito nenhum. Não vejo vantagem nisso, já desvantagens... É bem chato andar na rua e de repente levar um tapa nas costas com o sujeito dizendo: ‘Ei, Baldaracci’, é bem chato. Acontece até hoje e olha que Baldaracci, de ‘Pai Herói’ [de Janete Clair], foi criado em 1979 e o pessoal ainda se lembra.” Grande nome de teatro, tanto no palco como nos bastidores, Autran ainda encontra tempo para abrir espaço para novos dramaturgos. Em maio, escolheu o texto “Vestir o Pai”, de Mário Viana, 42, para dirigir no CCBB. “Foi um prazer, a peça é divertidíssima. Lotou por toda a temporada e pude dirigir a minha mulher, Karin Rodrigues.” Com isso, aproveitou para festejar a volta ao Centro: “O CCBB é um lugar ótimo, que as pessoas frequentam realmente. Fora esse espaço, bota aí que eu fui ver o espetáculo que a Jandira Martini dirigiu perto do Pátio do Colégio [‘Sonho de uma Noite de Outono’, no Auditório Celso Garcia, na Rua Roberto Simonsen, 22]. As pessoas têm elogiado muito”. E se diz otimista com a região: “Que bom que o Centro vai melhorar”. “Eu me lembro do tempo em que tudo em São Paulo era no Centro. Minha tia me levava quando menino para acompanhá-la às compras no Centro, porque uma moça não podia ir sozinha. Eu adorava! Íamos tomar chá no Mappim, que era na Praça Patriarca, que era charmosíssimo, ou então na Leiteria Campo Belo, na Rua São Bento, que também era um lugar muito gostoso, embora não tão elegante quanto o Mappim. As compras todas eram no Centro, não havia centro comercial nos bairros.” Com perfeição, como se fosse uma fala de um texto dramatúrgico, ele se lembra das comemorações do Quarto Centenário da cidade: “Foram festividades maravilhosas, importantíssimas. Eu tinha quase 30 anos, então lembro bem. Havia danças, muitas festas. Veio uma turma de atores dos Estados Unidos para cá, era festa todo dia. Foi muito divertido. Houve também um grande evento na fazenda de Yolanda Penteado, em Araras. Foi uma coisa deslumbrante!”. “Espero que os 450 anos correspondam”, completa. (14/08/2003)

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