Da toga às telas

Há cerca de 30 anos, Marcelo Araujo era apenas um entre centenas de estudantes de Direito da Faculdade do Largo São Francisco. Foi somente em 1981 que ele descobriu sua verdadeira vocação: museólogo.
De um salto, abandonou os códigos penais para se dedicar a telas e obras de arte, virou professor e, mais tarde, foi nomeado diretor do Museu Lasar Segall, na Vila Mariana. Atualmente, aos 46 anos, ele é o diretor de uma das mais prestigiadas instituições de arte do Brasil, a Pinacoteca do Estado.
O cargo, anteriormente ocupado por dez anos por Emanoel Araújo (os sobrenomes são mera coincidência, não há parentesco), é de responsabilidade: no acervo do museu há 6.000 obras -- 1.500 em exposição e 4.500 acondicionadas como “reserva técnica”, números que só crescem devido às doações que acontecem periodicamente. As mais recentes foram de Arcângelo Ianelli e Arthur Luiz Piza, no ano passado.
Empossado há mais de um ano, em 20 de janeiro de 2002, Marcelo Araujo faz um balanço positivo até agora. “Foi importante termos conseguido dar continuidade à programação e manter o nível das atividades. Não dá muito tempo de pensar. Tudo acontece tão rápido que, quando eu vejo, já passou o ano”, conta.
A correria se justifica só de olhar a programação do mês de julho do espaço: ao todo, estão em cartaz sete mostras temporárias, fora a exposição permanente do acervo. Ainda tem de encontrar tempo para organizar debates e promover lançamentos de livros.
Tem de tudo em cartaz. A diversidade vai desde fotografias de Cristiano Mascaro a telas da Coleção Brasiliana e 200 Sant’Annas, que representam o imaginário popular nacional. “Tudo isso só vem mostrar a abrangência da arte brasileira. Para nós, é um desafio coordenar tantas atividades. Mas, para o público, é uma oportunidade maravilhosa ter tudo isso à sua disposição ao mesmo tempo.”
Investigando o passado, Araujo se recorda dos mais de 150 mil visitantes durante a mostra do francês Auguste Rodin, em 94. E não se abala, porque, para ele, não é ponto central alcançar novamente esse marco histórico. “O número de visitantes não tem de balizar o trabalho de um museu. O relevante é a qualidade das ações. A mostra de Rodin foi importante não apenas por causa do público, mas por seu significado artístico. Quero fazer coisas semelhantes, como a exposição do holandês Albert Eckhout, que teve o conjunto exposto pela primeira vez no Brasil. Agora temos a retrospectiva de Iberê Camargo, que é um dos maiores artistas brasileiros do século 20. É esse conjunto de ações significativas que consolida o papel da Pinacoteca no cenário cultural de São Paulo.”
Para tanto, o diretor propõe um processo de construção cultural da platéia, a partir do fortalecimento da ação educativa. “Precisamos otimizar a relação entre o público escolar e as exposições para criar, mais para a frente, uma nova fornada de público”, diz. Além disso, foi ele o criador de um espaço só para arte contemporânea. “O Octógono, que, atualmente, expõe trabalhos de Leonilson feitos para a Bienal de 1985, é como uma vitrine para esses artistas, ao mesmo tempo que propõe debates sobre essa produção recente.”
E vem mais por aí. Para as comemorações dos 450 anos de São Paulo, a se realizar em janeiro de 2004, está sendo organizada uma mostra de fotografias e de peças do acervo que tem a cidade como tema central. “Não vamos trazer nada de fora, vamos trabalhar só com o acervo para evidenciar a riqueza de que dispomos.”
Apaixonado pela Pinacoteca, Araujo considera “um privilégio” poder dirigir a instituição e só tece elogios: “O museu foi pioneiro no processo de recuperação do Centro, servindo de fonte de atração para as pessoas irem à região. Ainda mais agora com a reforma do Jardim da Luz”.
Mas sua relação com o Centro é antiga, desde os tempos de estudante. “O Centro sempre foi muito presente no meu cotidiano. Primeiro na época da faculdade, depois quando trabalhei como advogado. Gosto da Florêncio de Abreu, do Pátio do Colégio, de ver a arquitetura dos prédios antigos. Acho a São Luís uma avenida extremamente charmosa, assim como o bairro dos Campos Elíseos com aqueles casarões todos... Enfim, posso citar dezenas e dezenas de lugares interessantes. Sou realmente fascinado por essa parte da cidade.” (16/07/2003)