Bençãos do tempo

Entre os santinhos, escapulários e terços da Igreja Nossa Senhora da Consolação, fica uma figura angelical, a Dona Maria de Lourdes Amaral, secretária da igreja e que também dirige a lojinha de artigos religiosos dentro do templo. Assistente social por profissão e católica desde o nascimento, essa senhora de 67 anos tem as lembranças do Centro nos seus "áureos tempos" imaculadas na memória.
"Mais de 40 anos atrás, o Centro era mais sofisticado. Como não havia shopping center na cidade, as lojas chiques se concentravam na região. E muitas pessoas elegantes circulavam por aqui. Agora o Centro está mais popular. Ninguém faz a 'toillet' para vir passear pra cá", começa D. Maria de Lourdes. As palavras dela já nos levam no túnel do tempo - para quem não sabe, "fazer a toillet" era a expressão daquela época para "produzir-se".
Naquele tempo, D. Maria de Lourdes morava no bairro Itaim mas, todos os sábados, ia com seus pais ao cinema - Ipiranga, Marabá, Olido ou Metro - e depois almoçava na região. "Tempos felizes. Eu era jovem e tinha até apresentação de orquestra antes das projeções dos filmes no Cine Olido", suspira. Outro programa badalado da época era tomar o tradicional "chá da tarde" nos cafés do Centro ou até mesmo no Mappin. Um costume que já não se mantém mais...
Hoje, segundo ela, os turistas são quem tem mais interesse pelo Centro histórico. Eles querem visitar lugares diferentes na região que não encontram em outras partes de São Paulo. Mas os moradores da cidade não freqüentam muito o Centro, a não ser as pessoas que aqui moram ou trabalham. "Se bem que quando estava cobrindo os dias de folga da secretária da Catedral da Sé, uma vez por semana, percebi quanta gente - como grupos de estudantes e de terceira idade, além dos individuais - tinha ido até ali só por causa da igreja recém-reformada mesmo", destaca.
"Dizem que quando a gente fica mais velho, lembramos bem o passado distante e esquecemos as coisas do presente. Mas ainda não estou assim não", brinca ela. "Na verdade, só quando a gente pára pra contar essas histórias é que vemos como as coisas mudaram. Porque, a gente acompanha as mudanças do dia-a-dia e nem percebe o que está acontecendo." (02/07/03)