O Centro em média-metragem

São Paulo, década de 20. Andaimes. Um operário cai do alto do Edifício Martinelli, na época em construção. Vendo o pai despedir-se em agonia, o filho inicia sua jornada pelas ruas da cidade. O tempo passa e ele se torna um marginal. Com um colega de rua, planeja a melhor forma de passar o inverno em um lugar tranqüilo: cometer pequenas infrações para ser levado para a cadeia, onde há comida todos os dias e um teto.
Baseado em um conto do nova-iorquino O. Henry (1862-1910) – especialista em narrativas sobre a vida urbana, com especial foco nas virtudes e mesquinharias da classe média – Fragmentos da Vida, produzido em 1929 (mesmo ano de produção do primeiro filme nacional totalmente sonorizado), narra a saga de um homem sem perspectivas, tendo como pano de fundo a metrópole no início do processo de expansão. Dirigido por José Medina (1894-1980), é o mais antigo dos filmes nacionais restaurados pela Cinemateca de São Paulo.
O crítico de cinema Rubens Machado, em recente entrevista para o documentário Quatro Vezes São Paulo, ressalta que poucos filmes do período silencioso brasileiro tinham a maestria do domínio artesanal da narrativa como Medina a apresentou. Além de um raríssimo domínio da linguagem cinematográfica, o cineasta lança um olhar sobre a cidade marcado pela influência das culturas que fizeram parte de sua formação – no caso de Medina, a espanhola. Ao lado da influência portuguesa e italiana, essa cultura não marca só a cidade, mas também o cinema da época, que era predominantemente realizado por cineastas de origem estrangeira. Além do Martinelli, o Vale do Anhangabaú e o Parque Dom Pedro servem de cenário para o média-metragem.
Figura de destaque no cinema paulista dos anos 20, Medina conheceu Gilberto Rossi, que se dedicava aos documentários, e propôs ao colega fazer um filme para demonstrar a continuidade cinematográfica "à americana”. Num fim de semana, no quintal da casa de Rossi, filmaram Exemplo Regenerador, com a direção de Medina e a fotografia de Rossi. O filme foi exibido durante uma semana com sucesso e deu origem à Rossi Filme. Em seguida, realizaram Perversidade, seu primeiro longa-metragem. Depois enfrentaram um projeto de maior envergadura, com a direção de Medina.
Todos foram destruídos num incêndio que a Rossi Filme sofreu, sobrando apenas Exemplo Regenerador. No final dos anos 20, Medina realizou seu último filme, Fragmentos da Vida. Foi saudado na época pelo escritor Guilherme de Almeida (1890-1969), que escreveu: "José Medina é, indiscutivelmente, o nosso único diretor de verdade. Pela primeira vez senti essa ligação suave, espécie de traço-de-união que das partes várias de um filme faz um todo". A obra foi muito bem sucedida – custou 28 contos e rendeu 100. Apesar disso, Medina abandonou aí o cinema, para abraçar o rádio. (17/06/03)