Bomba-relógio no Coliseu

O mineiro Marcílio Godoi chegou aqui faz seis anos. Não se viu refletido nos espelhos d’água, menos ainda na massa de prédios da cidade. Resolveu, então, se aprofundar no enigma munido de uma máquina fotográfica e percebeu que isso é apenas um mecanismo de defesa para São Paulo sobreviver. “Tentei ser o mais generoso possível na minha proposta egoísta de querer me ver refletido na cidade. Como um grafiteiro que invade muros e fachadas, eu só queria estar ali, me sentir ali, representado ali de alguma forma”, conta. “O livro foi uma necessidade, não um capricho. Foi um processo, o tempo todo, de destruição de barreiras.”
Surgiu “São Paulo, Cidade Invisível: Uma Reportagem Afetiva”, lançado agora pela editora Bom Texto e Uniletras, uma reunião de crônicas baseadas em fatos reais e ambientadas na Paulicéia Desvairada completadas com imagens inusitadas. “Sempre achei que as fotos oficiais são para o turista à procura de clichês e resolvem uma cidade que não é, em si, nada resolvida. Vaguei bastante para acertar o tom das imagens que proponho”, conta o jornalista e arquiteto.
Para ele, temos de aprender a amar a cidade como ela vem até nós, como ela surge em cada esquina. Por isso ele usa lugares desconexos para unir uma crônica inspirada em São Paulo, as imagens sempre com um componente humano e os título. “Trata-se, na verdade, de uma provocação. A paisagem da cidade que enxergamos da janela raramente se equivale a seu estado de espírito. Quero tencionar o leitor. Não precisamos de uma paisagem para caber em nossos sonhos de cidade.”
Sua principal intenção com o tom codificado das chamadas foi a sedução ou, como ele prefere, “leiam-me até o fim para decifrar meu nome”.
Depois de seis anos, o mineiro diz que já tem um “green card” de São Paulo. “Meu filho nasceu aqui, mas meu passaporte veio de tanto andar pelas ruas, sozinho. Hoje estamos no período medieval de nossa história e o Centro é o Coliseu, espécie de circo e de templo onde as pessoas tentam sobreviver aos leões.” (29/05/2003)