De volta para casa

"Mudei para o Centro no mesmo instante em que mudei minha vida." A livreira Jaqueline Novaes relata ao Sampacentro como tem sido viver em seu novo endereço com o marido e os dois filhos.
"Sou separada de meu ex-marido há um ano e três meses, e desta união tenho duas crianças: Joanna Valentina, de 3 anos e 9 meses, e Pedro Miguel, com 2 anos e 8 meses. São crianças lindas, espertas, maravilhosas... Daquelas que a gente vê no filme 'Momo', do livro de Michael Ende, ou então brincando nas ruas das vilas periféricas. Vivem com narizes escorrendo, saracoteando de um lado para o outro, mexendo em coisas perigosas, desafiando as leis da gravidade... travessuras corriqueiras.
Tenho 33 anos e me sinto como se tivesse vivido todos eles aos pares ou, para arredondar a conta, aos trios. Sou livreira, trabalho e moro com o editor (um romance desses tipo Fellini, sabe?). Moramos na rua Joaquim Gustavo, na Praça da República, e morar no Centro, para mim, além da questão geográfica, tem uma conotação muito peculiar, uma conotação psicológica -- como se eu estivesse voltando, regressando para o meu próprio centro, e deixando para trás (mas não muito atrás) minha própria periferia, aquele lugar onde as coisas demoram para acontecer, onde tudo é mais precário, longínquo, moroso...
Aqui tive muitas dificuldades práticas, por exemplo: onde tem escolinha? –- ninguém sabe direito te explicar. A gente sai por aí e não vê placas, pergunta na rua e ninguém mora aqui, munca viram. Andar de salto alto na rua Aurora e redondezas é praticamente impossível sem que se seja confundida com as 'meninas' – tudo bem! É só abaixar a cabeça e seguir em frente. Ter que explicar para minha filha de 3 anos e pouco ‘por que o homem beija o outro homem daquele jeito, igual à Cinderela e o príncipe, mãe?’
E mais: onde tem atividade infantil? Cadê as empregadas domésticas deste local? Onde vende hortifruti aqui perto? Cadê a padaria, o sapaterio, o afiador de facas, a costureira, o açougue...? Bem, agora já estou quase "expert": aprendi o caminho até o Mercado Municipal – é um pouco longe, mas vale a pena por tudo. Descobri que o prédio que fica bem em frente a minha janela é o "tal do Andraus" e que, se eu virar bem ali na esquina estou no bar Brahma, e logo ali é Ipiranga com São João – dá até para ouvir o Caetano cantando.
Descobri também que no Circolo Italiano sempre tem peça de teatro infantil, e tantas atividades em bibliotecas próximas. Levei as crianças na Galeria do Rock e, logo na entrada, a Joanna Valentina viu um cara todo de preto, com aqueles trecos no nariz e na língua, cheio de tatuagem, e me disse: ‘Mamãe, tem muita carranca andado aqui, mamãe!’ (Molhei as calças!)" (17/04/03)