Uma Semana de sapos e vaias

Marcia Camargos, 47, entrou de cabeça no período modernista: escreveu sobre Monteiro Lobato, mecenato, a efervescência cultural de São Paulo pré-Semana de 22 e lança, pela editora Boitempo, uma pesquisa profunda sobre este evento, que deu o pontapé inicial no modernismo tupiniquim.
“Semana de 22 - Entre Vaias e Aplausos” é uma espécie de sequência de seu livro anterior, “Villa Kyrial - Crônica da Belle Époque Paulistana”, que praticamente desemboca na Semana. “Era a época justamente anterior a essa, quando todos aqueles intelectuais e artistas estavam se formando”, conta a historiadora. “Mergulhei de uma forma mais profunda nessas águas do modernismo para explicar o que foi realmente a Semana de 22. Foi ela que proporcionou o caldo de cultura para os movimentos estéticos de vanguarda que viriam questionar aquilo que prevalecia nos salões e banquetes da ‘high society’.”
O novo livro tenta colocar nas reais dimensões a Semana, desmontando mitos e barreiras. “Foi o ato inaugural do modernismo, mas não foi tão relevante naquele momento quanto se pode pensar”, explica.
Camargos descreve: “Com o imponente Teatro Municipal (...) devidamente alugado por 847 mil réis, que 80 anos depois equivaleriam a cerca de 20 mil reais, teve início a Semana de Arte Moderna. (...) Os ingressos que davam direito às três récitas custavam 186 réis para camarotes e frisas e 20 mil réis e 300 nos balcões e galerias (...). Mesmo com a casa lotada, a Semana acarretou prejuízo de 7 contos e 400 mil réis, fora o aluguel”.
O livro é também uma forma de fazer as pazes entre Monteiro Lobato, tido como grande vilão após criticar a exposição de Anita Malfatti, e os modernistas. “Tento mostrar que a presença dele no panorama cultural paulistano da época é uma das chaves para entender por que a Semana aconteceu em São Paulo e não no Rio, que era a capital federal na época.”
Foi, afinal, graças à férrea opinião dele sobre a mostra, composta de 53 trabalhos, com toques expressionistas e cubistas, que a artista se converteu em fator aglutinador daquele grupo, “consagrando assim, por vias transversas, quem no início fora sua vítima”.
A Semana foi um evento da elite para a elite e pela elite. Citando o livro: “Na Paulicéia cantada por Mário de Andrade não cabiam estrofes que falassem da situação do povo e muito menos das revoltas incubadas, prestes a eclodir naquele ano”.
“Foi coisa de um grupinho de amigos, meio improvisada. Eles não estavam pensando em fazer algo especial para as comemorações do aniversário de São Paulo nem nada. Foi um ato espontâneo, por isso não pode ser cobrado dele um rigor”, diz Marcia Camargos.
A Semana nem chegou a durar uma semana. O mais importante aconteceu em três grandes noitadas em fevereiro, iniciadas às 20h30, com audições, conferências, leituras de poemas e exposição de artes. Segundo a historiadora, entre eles resolverem e fazerem a Semana, foi coisa de dois meses, talvez menos. “Isso depõe a favor da Semana, que acabou sendo muito mais leve, brincalhona e espontânea. A história quer jogar uma responsabilidade e um peso que ela não suporta.”
“A partir daí, os desdobramentos foram muito importantes. Foi criada a revista ‘Klaxon’, um espaço para teorizar todas as discussões surgidas, e houve uma fase de elaboração após a erupção espontânea, mas São Paulo não parou para ver isso.”
Entretanto ela defende que naquela época o entorno do Teatro estava fervilhando. “O Centro era um local muito refinado e elegante, que a elite frequentava bastante. Perto do Municipal havia outras coisas acontecendo, como peças, bares, hotéis e restaurantes. Ali funcionava uma efervescência cultural atrelada à vida do Teatro, foi por muito tempo um ponto de encontro.” (31/03/2003)