Chuva borrada

O fotoartista Tadeu Jungle, 46, imprime um sentimento de amor e ódio em suas obras. “O artista é o que ele vive, por isso a cidade sempre está lá no trabalho, de um jeito ou de outro”, conta. “Amo e odeio a cidade. Amei mais, afinal nasci aqui. O caos, a gastronomia, a cultura sem fim. Mas hoje a violência deixa a gente muito tenso.”
Em sua mais recente série, “Heavy Rain”, transparecem o caos e o desordenado trânsito de São Paulo. São 40 fotos distorcidas pela chuva, feitas de dentro de um carro com uma câmera digital. Porque a fotografia em película, para ele, pertence a um outro olhar. “A câmera digital tem um visor que se parece muito com vídeo, que é o que eu faço desde sempre. Está tudo ali: a textura, a densidade, além do imediatismo delicioso”, explica.
“Ando sempre com uma câmera na mochila. Comecei fotografando traseiras de carros, que me pareciam objetos gráficos, carros deformados pelo vidro aquoso. Gostei. Virei para o lado e de repente percebi que estava dentro de algo. Daí fui fundo, mergulhei mesmo. Comecei a sair na chuva só para fotografar.”
A escolha do que ser clicado funcionou como um acaso: “A chuva escolheu mais do que eu. Nunca fiquei na frente do Teatro Municipal esperando chover. E também nunca corri para lá quando chovia. Choveu? Fotografei. Onde quer que estivesse.”
“‘Heavy Rain’ é um ensaio solitário, impulsivo, ora tenso, em movimento, ora paciente e melancólico até o vidro do carro borrar correto. É uma tentativa de extrair do tédio a luz. E emitir”, define.
Não há um ponto reconhecível como São Paulo, porque o foco de seu olhar estava na “urbanidade distorcida pela chuva no vidro”. Mas o Centro está lá, expressando a “cara-memória” da cidade, na definição de Jungle. “Meu ponto favorito no Centro é o Viaduto do Chá. Ali passa São Paulo, São Paulo, São Paulo. Fluxo paulista full. Já gravei, filmei, fotografei muito ali.”
O artista tem lembranças fortes do Centro: “Eu me lembro de estar no escritório do meu pai, num prediozinho da Rua Conselheiro Crispiniano e ficar olhando para baixo, na Avenida São João. Tinha dez anos. Achei que o mundo tinha muita gente”. (26/03/2003)
Serviço:
www.tadeujungle.com.br/heavyrain