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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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O caminho ao Olimpo

Apostando alto. É assim que a Orquestra Sinfônica Municipal resolveu iniciar as apresentações do ano de 2003, que também caracterizou a abertura da temporada de música erudita da capital paulistana. Tudo começa com “Don Juan, op. 20”, de Richard Strauss (1864-1949), uma peça de demonstração de habilidade da OSM, que vem tentando se firmar como a segunda orquestra de São Paulo --precedida pela Osesp-- desde que o maestro norte-americano Ira Levin assumiu a direção artística, em novembro de 2000. Os integrantes da sinfônica entram, afinam os instrumentos, se ajeitam e sentam. Entra o maestro. Aplausos por todo o Teatro Municipal. Levin não dá muita bola, a seriedade o domina. Sua postura rígida se reflete na melhora da execução das óperas pela orquestra. A cobrança continua alta e sente-se uma leve tensão no ar. O desempenho é correto e, agora, a ansiedade é que passa a dominar o salão. Instaura-se a expectativa pelo que vem a seguir. Um piano é alocado no palco, com exagero de cuidado, e as cadeiras são rearranjadas. Eis então que volta a orquestra e surge o convidado especial do concerto: o pianista mineiro Nelson Freire, considerado uma das figuras lendárias da música internacional. Ele escolheu tocar o “Concerto nº 2 para Piano e Orquestra em Fá Menor, op. 21”, de Frédéric Chopin (1810-1849). Agradeceu as palmas, sentou-se e esperou a música começar. Ouviu e, na sua deixa, fez o coração da platéia saltar. Parecia fácil tocar aqueles acordes, com uma interpretação de marejar os olhos. Fiquei pensando que o piano era um instrumento ingrato, pois das cadeiras da platéia, que ficam num nível mais baixo que o palco, não se podia ver as suas mãos deslizando pelos teclados. Talvez fosse exatamente essa idéia: levar nossa imaginação ao Olimpo em que ele se encontrava. A casa, lotada, viajou com ele. E não é de hoje. O mineiro de 58 anos nascido em 1944 na pequena cidade de Boa Esperança começou precoce sua carreira na música. O mais novo de cinco irmãos, deu o primeiro recital público aos quatro anos de idade. Aos 15, estreava na Academia de Música de Viena, interpretando Brahms e levando o queixo de todos ao chão. Na apresentação, ocorrida no último dia 10, nem sempre a Orquestra Sinfônica Municipal conseguiu acompanhá-lo à altura, mas o prazer de ouvi-lo fez com que isso fosse insignificante. Tocou, tocou, tocou. Ao final, com sua humildade e timidez, cumprimentou o maestro e se retirou. As palmas fizeram-no voltar vezes e vezes. Em retribuição, resolveu presentear a todos com uma “canja”: um trecho que não estava no programa apenas para o nosso deleite. Sua saída levou alguns dos presentes embora. Os que não se foram tiveram sua recompensa após o intervalo. A OSM tocou “A Sagração da Primavera”, de Igor Stravinski (1882-1971), com o respeito merecido. Um pouco tímida demais talvez após o show de Nelson Freire. Mas valeu a pena. Se a temporada erudita permanecer nessa altura, 2003 será um ano memorável. E tudo leva a crer que sim, já que Freire é estrela para o ano todo. Em maio é tema do longa de João Moreira Salles (“Notícias de uma Guerra Particular”), em junho se apresenta no Teatro Cultura Artística, em novembro protagoniza a série da Associação para Crianças e Adolescentes com Tumor Cerebral (Tucca) e também faz uma parceria com a Osesp. É para não perder. (14/03/2003)

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