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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

O Centro do poeta

Por Erica Shimamura Janeiro de 2003, no Centro de Porto Alegre. A cidade estava agitada com o Fórum Social Mundial, que reuniu cerca de 100 mil pessoas do mundo todo e de todas partes do país para ouvir, debater e, principalmente, conhecer pessoas que trabalham com projetos sociais. Apesar da intensa programação do fórum (falou-se em cem eventos por dia), guardei um dia para conhecer o Centro de Porto Alegre. O bairro é a região que concentra a maior parte dos pontos históricos da cidade. Entre a Praça da Matriz, onde foi construída a primeira igreja de Porto Alegre e também teve início a Revolução Farroupilha, ou o Mercado Municipal, espaço com dezenas de bancas de delícias gastronômicas e restaurantes, escolhi a Casa de Cultura Mario Quintana como o melhor lugar do Centro da capital gaúcha. A história da Casa Mario Quintana lembra um pouco o Centro de São Paulo. Na década de 60, o Centro de Porto Alegre passou por um processo de desvalorização, as famílias de classe média migraram para bairros afastados e a região se transformou em espaço comercial. A noite ali não podia mais ser chamada de um lugar seguro. Um hotel famoso na região, o Majestik, embarcou nesta crise, e por mais de uma década sobreviveu hospedando solteiros, viúvos e boêmios. Nesses anos, de 1968 a 1980, o poeta Mario Quintana foi seu hóspede (leia abaixo um dos textos dele sobre si mesmo). Na época, menos de 100 quartos, dos 300 existentes, estavam em funcionamento. Só em 1980 o Banrisul comprou o Majestik para transformá-lo em uma agência bancária. Por pressão popular e força da opinião pública, o governo do Estado acabou comprando o hotel do Banrisul, que depois de três anos de reforma passou a funcionar como Casa de Cultura Mario Quintana. A inauguração aconteceu em 1990. Hoje, qualquer morador de Porto Alegre recomenda a Casa Mario Quintana como passeio essencial pela cidade. E é mesmo. Nos 12 mil metros quadrados de área construída, divididos em duas alas, estão espalhadas obras de arte de diversos nomes famosos. São sete andares com espaço para exposições, mostras, ensaios, montagens teatrais, leitura, discoteca, sala de dança, laboratório de música e bibliotecas. Tem até um pequeno jardim ecológico no quinto andar e duas salas de cinema no térreo. Além disso, a Casa Mario Quintana é um ponto privilegiado da cidade para ver o pôr-do-sol no Rio Guaíba. Serviço: Rua dos Andradas, 736, Centro de Porto Alegre, tel. (51) 3221-7147 Site oficial: www.ccmq.rs.gov.br Mario Quintana “Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas.. Aí vai! Estou com 78 anos. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade. Nasci do rigor do inverno, temperatura: 1 grau, e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton! Excusez du peu.. Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras.” (23/02/03)

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