Lembranças gastronômicas
Por Fátima Monteiro
O Centro da cidade de São Paulo sempre foi muito associado à gastronomia. Freqüentemente os meios de comunicação citam restaurantes e bares famosos já extintos ou ainda em plena atividade que permanecem na memória dos que aqui vivem ou por aqui passaram em algum momento: o bar Brahma (na célebre Ipiranga com a Av. São João), o restaurante do Edifício Itália(marco da arquitetura dos anos 60), o bar do Léo (na cantada, decantada e famosíssima Aurora), e tantos outros. No entanto, não me recordo de ter lido ou ouvido nada a respeito de um restaurante chamado DOM. Como? D-O-M?! Sim, onde?

Comecemos pela localização: Rua Aurora, quase esquina com Rua do Arouche. Continuemos com a descrição do local: no formato da letra 'L' tendo um longo balcão devidamente acompanhado por assentos, em tons de verde escuro.
Citemos seus funcionários, ou melhor suas garçonetes. Uma equipe profissional, rápida e eficiente ao anotar o pedido de tantos e tantos trabalhadores que para lá acorriam de segunda a segunda. Eu chegaria a dizer que tinham um ar de equipe técnica!
Agora falemos do que mais me agradava e daquilo que mais saudade deixou: a comida. A tradicional combinação arroz com feijão ali tinha um cheiro e um gosto tão agradável e saboroso que às vezes me ponho a procurar esse aroma pelas ruas da cidade, pelas janelas das casas... Mas somente naquele cantinho do Centro, naquela época em que morava no Centro, encontrei.
O bife a milanesa: Meu Deus, foi lá que nos anos 60 aprendi a apreciar esse prato. Aquela farinha de rosca cheirosa envolvia um imenso pedaço de carne tenra e sem gordura.
Mas o que me doi mais é a lembrança de um prato tradicional dos domingos à noite: a pizza de mussarela. Pouquíssimas pessoas, como minha família, encomendavam pizza nos anos 60. Não havia esse hábito, hoje tão paulistano (já espalhado pelo país), de se saborear pizza pelo menos uma vez por semana, até no horário de almoço. Mas o perfume daquela massa se amalgamava ao queijo e ia penetrando pelas narinas de tal forma que às vezes eu pensava se não seria melhor saboreá-la no dia seguinte quando os ingredientes já estariam de tal modo casados que o perfume saboroso alimentaria tanto ou mais que a própria degustação da pizza. Era como se ao guardá-la eu estivesse adiando um prazer.
Eu era uma menina ainda no curso primário do Caetano de Campos, e não tinha idéia de que no futuro ao escrever artigos como este, meus olhos, meu nariz e até minha boca ficariam como que ansiosos tentando no decorrer desta digitação ver e sentir novamente sabores, cheiros, texturas e atitudes. Tenho até um pouco de pena dos paulistanos que em seus poucos minutos de almoço e, muitas vezes, mesmo pagando caro, não conseguem se alimentar bem (e mais pena ainda de tantos que nada tem para comer).
Mas, tudo começou a passar para a memória, na década de 70. O casal proprietário mudou para Belo Horizonte. Por algum tempo o gerente italiano ainda manteve o DOM, mas depois da morte dos donos e na ausência de herdeiros - segundo consta - suas peculiaridades se perderam. E o local, se transformou num restaurante como tantos outros...
Acho que a cidade perdeu muitas de suas coisas boas, como o DOM. Embora o Centro - e toda São Paulo - tenha ganhado outras tantas. É quase unanime a idéia que esta cidade é o lugar onde melhor se come no Brasil. Mas o que eu ainda não encontrei foi essa combinação de cheiro, sabor e honestidade no atendimento e no preparo que só ali havia.
Vocês poderão dizer que eu, criança na época, tenho na memória a percepção daquela criança que fui. É possível. Mas fica a velha lição: como não sabemos até quando uma coisa boa vai durar, devemos aproveitá-la ao máximo, ou 'viver intensamente cada minuto' mesmo quando esse minuto é a pausa para a refeição. (10/02/2003)