Astronauta do asfalto

Muitas pessoas conhecem o outro lado do mundo e, ao mesmo tempo, não sabem quem são os próprios vizinhos ou como é a rua ao lado. O jornalista Eduardo Fenianos fez o contrário: passou 120 dias viajando por dentro de São Paulo. Ao todo, visitou 96 distritos paulistanos. Entre outros lugares dos quatro cantos da cidade, o urbenauta passou pela Sé, pela mata da Serra da Cantareira e navegou por oito rios da capital.
Um "esboço" da aventura já tinha sido traçado em 97, quando o jornalista fez uma viagem por Curitiba, sua cidade natal. Foi aí que surgiu o desafio: fazer o mesmo na terceira maior cidade do mundo. "Passei um ano e meio apenas planejando a viagem", conta Fenianos.
Rotas acertadas, o passo seguinte foi "mapear" os rios navegáveis de São Paulo. "Muita gente não sabe, mas a cidade tem rios de água pura, como o Capivari, cujo curso passa por Marsilac, na zona sul", conta. A mudança de ponto de vista, literalmente falando, também fazia parte do roteiro: "As pessoas estão acostumadas a observar os rios sob o olhar de quem está no asfalto", comenta o urbenauta. "Então, resolvi passar 13 dias navegando os rios e observando o que acontecia nas ruas."
Viajando de bairro em bairro a bordo de sua urbenave, Eduardo colecionou 7.920 fotos e conheceu cerca de 3.600 pessoas durante os quatro meses de experiência. "Segundo a Organização Mundial de Turismo, uma viagem significa passar no mínimo 24 horas fora de casa", explica. Assim, o jornalista teve de usar um método científico e estabelecer algumas regras básicas que garantiram o sucesso da empreitada, como nunca voltar para casa durante a noite, por exemplo.
Depois de muitas provas de persuasão, o urbenauta acabou adquirindo traquejo para ganhar a confiança das pessoas que até então eram completamente desconhecidas. "No começo foi bem difícil, mas depois foi um grande curso de relacionamento", diz. No entanto estudar a vida das pessoas e entender como elas se comportam rendeu uma noite embaixo de uma marquise. "Seguindo uma das regras -- de não dormir dentro do carro, caso não encontrasse pouso --, acabei passando a noite na rua", recorda. Sem conseguir pegar no sono, o urbenauta foi perturbado com passos indo em sua direção, além de freadas e batidas de carros.
Na região central, a maior dificuldade foi conseguir conhecer o Martinelli. "Nunca tinha subido ao edifício e, cada vez que planejava a visita, alguma coisa acontecia", conta o jornalista. "No primeiro dia, trombei com os manifestantes do Movimento Sem-Terra. Em seguida, encontrei alguns personagens tão interessantes que acabei adiando o passeio, como na ocasião em que conheci algumas prostitutas do Anhangabaú", diz. "Os 14 dias que passei no Centro chegaram ao fim no dia em que consegui conhecer o prédio", conta. "É preciso dar significado a esse amontoado de ferro e concreto... O maior museu de São Paulo é a própria cidade."
De prostíbulos a igrejas, de juízes a bandidos e de polícia a ladrão, o urbenauta compilou histórias sobre lugares e pessoas incríveis, recentemente publicadas no livro "Expedições Urbenauta - São Paulo: Uma Aventura Radical". Para 2003, fazem parte dos planos o lançamento de um CD multimídia, um álbum de fotos e um projeto de alguns episódios para televisão, fruto de 220 horas de gravação em videodigital. "O interessante, depois da viagem, é poder levar a cultura da cidade para a própria cidade", diz Fenianos. "Precisamos ver o que está perto para depois enxergar o que está longe." (28/01/2003)