Ópera de papel

O jornalista Lauro Machado Coelho tem uma ligação afetuosa que todo fã de ópera tem com o palco onde assistiu a tantos títulos importantes. Mas, mais que isso, tem o olhar de quem trabalhou lá dentro e viveu o dia-a-dia da produção dos espetáculos, as dificuldades, os problemas e a satisfação de ver os resultados. Em dezembro, ele lança o livro "A Ópera Italiana Após 1870", no Teatro Municipal, com recital de trechos de óperas. O escritor falou ao Sampacentro sobre sua paixão pela música e pela cidade de São Paulo.
Como jornalista e escritor, o sr. acabou se especializando em ópera. Como surgiu esse interesse?
Música sempre foi, desde que eu era menino, uma grande paixão, um interesse predominante em minha vida. Gosto de música de um modo geral -- sinfônica, de câmara, sem esquecer jazz ou a boa MPB. Gosto de ópera também: desde os 10, 11 anos, ouvia ópera no rádio e assistia a todos os espetáculos encenados em Belo Horizonte, a minha cidade natal, onde vivi até os 30 anos. Acontece que, em 1976, quando comecei a trabalhar na editoria de Política Internacional do Jornal da Tarde, fui convidado a colaborar também com Variedades: por algum tempo escrevi sobre livros e, de 1976 a 1986, fiz crítica de cinema para o jornal. Um dia, conversando com Maurício Kubrusly, o editor de Variedades na época, disse a ele que gostaria também de escrever sobre música. Ele se interessou pela idéia e me disse que estava disposto a me dar essa chance, desde que eu concordasse em fazê-lo numa área para a qual, naquele momento, ele não tinha ninguém: a de crítica de ópera. Por que não? Aceitei e, naturalmente, como tinha de cobrir esse setor, empenhei-me em estudar a sério o assunto, em me aprofundar nele. Da crítica passei, no início da década de 80, a outra atividade: comecei a dar cursos de história da ópera. Deles surgiu o projeto de escrever essa série de livros sobre o assunto.
Quantos livros o sr. já tem lançados?
"A Ópera Italiana Após 1870" é o sexto volume da coleção a ser lançado. Antes dele, a editora Perspectiva publicou "A Ópera na França" (maio de 1999), "A Ópera Barroca Italiana" (maio de 2000), "A Ópera Alemã" (novembro de 2000) e "A Ópera na Rússia" (julho de 2001). Em junho deste ano, surgiu "A Ópera Romântica Italiana", cujo lançamento foi feito no Teatro São Pedro, também com um recital.
Para este último lançamento, "A Ópera Italiana Após 1870", o sr. contou com a organização de uma pianista e de um pesquisador. Como foi feito este trabalho em conjunto? Vocês já se conheciam?
Sérgio Casoy e Vânia Pajares são meus amigos há muitos anos: Sérgio é meu vizinho em Perdizes e um companheiro de todas as horas; e minha amizade com a Vânia vem dos tempos em que trabalhamos juntos no Teatro Municipal. Ambos estão associados à corrente pra frente que se forma, para ajudar na divulgação dos livros, desde que o primeiro apareceu. Em maio de 1999, os dois organizaram o recital de lançamento de "A Ópera na França", no auditório da Cultura Artística. Reuniram os cantores, a Vânia tocou, e o Sérgio apresentou o repertório -- coisa que eles fizeram também no São Pedro, em junho passado. Sinto-me feliz por contar com a amizade e o apoio de pessoas que me dão a maior força, para levar adiante esse projeto, que é de proporções muito grandes. E nesse contexto, além da Vânia e do Sérgio, que estão fazendo um trabalho excepcional, não poderia deixar de citar uma outra graça de pessoa, a Míriam Bemmelmans, uma competentíssima assessora de imprensa que, na época de cada lançamento, se esmera em fazer uma divulgação muito completa.
Quanto tempo o sr. passou escrevendo o livro?
Como te disse, comecei a dar cursos de história da ópera na década de 80. Os alunos pediam bibliografia, e eu não tinha o que lhes oferecer em português. Diante dos protestos deles de que era complicado ler livros em inglês, francês ou italiano, me decidi a tentar escrever um livro, um manual que pudesse usar nos cursos. Comecei em 1989. Esse livro único inicialmente programado começou a engordar, a crescer tanto que, em determinado momento, se dividiu e foi assumindo esse caráter de uma coleção com volumes tratando unidades separadas. Portanto alguns desses livros se separaram da "nave mãe" e, ao longo do tempo, foram sendo escritos "em camadas", à medida que eu ia conseguindo material novo, que me permitisse atualizar o que já tinha. Sempre que posso, remanejo o que já está pronto. No caso deste volume, "A Ópera Italiana Após 1870", os últimos acréscimos foram feitos no final de setembro, na altura da última prova de gráfica. Neste momento, estou dando a última redação ao volume que pretendo encaminhar ao editor no início de 2003: "A Ópera Tcheca". Esse é um dos volumes que se formaram a partir de capítulos do "livro mãe" e, ao longo desses mais de dez anos, vem sendo enriquecido. Pois agora estou reescrevendo, pela enésima vez, o capítulo sobre um grande compositor chamado Leoš Janácek, porque acabo de ler uma biografia nova dele, escrita por Mirka Zemanová, que foi publicada em maio de 2002. Meu nome é Lauro, mas você pode me chamar de Penélope.
O Teatro Municipal está intimamente ligado à ópera. Qual a sua relação com este importante ponto histórico de São Paulo?
Primeiro a ligação afetuosa que todo fã de ópera tem com o palco onde assistiu a tantos títulos importantes e onde viu tantos cantores notáveis. Depois, a ligação muito especial de quem trabalhou lá dentro e, durante algum tempo, viveu o dia-a-dia da produção dos espetáculos, as dificuldades, os problemas, mas também a satisfação de, remando contra a maré, obter alguns resultados. Dirigi o Teatro Municipal entre 1994 e 95: foi uma experiência ao mesmo tempo árdua e gratificante. Foi, principalmente, um aprendizado muito fértil para o meu trabalho de crítico de música, a oportunidade de estar do outro lado da cerca e de sentir na pele os problemas de pôr de pé um espetáculo, de acompanhá-lo do início do projeto ao momento em que ele sobe ao palco.
A respeito do Centro da cidade, de modo mais abrangente, quais os seus lugares preferidos?
Cheguei a São Paulo em 1974. Antes disso, entre 1964 e 73, eu trabalhava como professor de literatura na Aliança Francesa de Belo Horizonte. Aqui, mudei radicalmente de atividade: tornei-me jornalista, fui trabalhar na editora Abril, onde fiquei entre 1974 e 1994, como um dos editores do Almanaque Abril. O choque que eu deveria ter tido, ao mudar de Belo Horizonte para uma cidade enorme como São Paulo, se houve, foi no sentido positivo. Apaixonei-me pela cidade à primeira vista! Conheço todos os seus problemas, todas as dificuldades de morar neste lugar maluco. Ontem, por exemplo, quinta-feira, dia 28 de novembro, eu tinha o convite do teatro Alfa para coordenar uma mesa-redonda sobre a produção de ópera no Brasil. Saí de casa às 18h30 e, com a chuva que desabava sobre a cidade, só às 20h15 consegui chegar ao teatro. Ossos do ofício de morar num formigueiro como São Paulo. Mas adoro esta cidade e não a trocaria por nada deste mundo! Sou do tipo que tem na testa o adesivo: "I coraçãozinho São Paulo". Por isso esta cidade está cheia, para mim, de lugares mágicos, o Municipal, a Sala São Paulo, os cinemas, os teatros, os restaurantes, as inúmeras fontes de tentação que são as livrarias e as lojas de disco... É difícil escolher, no meio de tanta coisa, o que mais me agrada em São Paulo. Toda a minha vida está aqui: o trabalho, os dois filhos, o círculo de amizades -- a ponto de dizerem que até o sotaque mineiro eu perdi inteiramente. Em resumo, só me arrependo de uma coisa: de não ter mudado para cá há mais tempo. (06/12/02)
Serviço:
Lançamento do livro "A Ópera Italiana Após 1870"
Teatro Municipal
Dia 12/12, a partir das 19h
Entrada gratuita (retirar ingressos na bilheteria)
Haverá um recital de trechos de óperas contando com a participação especial de Niza de Castro Tank e as vozes de Adélia Issa, Andrea Ferreira, Angélica Feital, Daniela de Carli, entre outros. Direção musical: Vânia Pajares. Produção e apresentação: Sérgio Casoy. Formatação cênica: João Malatian. Piano: Vânia Pajares e Marizilda Hein.