Sabotando o sistema

"Isso aqui é um colégio particular?" Foi com esse disparo que o rapper Sabotage, "29 anos de favela", como ele mesmo define, nos recebeu para uma conversa no prédio do antigo Dops enquanto esperava para se apresentar no palco do evento Praças Pela Paz Mundial. Sobrinho do traficante Monarca, um dos presos mais antigos do (extinto) Carandiru, Mauro Mateus cresceu entre as bocas de droga de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, onde nasceu e vive até hoje. "Meu tio vive dizendo: mais antigo que eu aqui só o banheiro", metralha.
Já seu pai, o músico só foi conhecer quando tinha 15 anos de idade. "Eu estava encostado num muro, com uma arma na mão, quando chegaram pra mim e falaram: 'Esse é seu pai'. Eu disse: 'Oi, tudo bem? Agora é melhor você dar licença que é perigoso você tomar um tiro'. Dei um baseado pra ele fumar e depois fomos trocar uma idéia."
Pai de um menino e duas meninas -- Anderson, Tamires e Larissa --, Sabotage conhece de perto a realidade das favelas que se repete em muitas áreas da região central. "Quando estava vindo pra cá vi um menino de seis anos, a idade da minha filha, escondendo uma pedra de 'crack' embaixo da língua", conta. "Será que as pessoas que estão do lado de fora vão escutar essa mensagem de paz?"
O rapper começou a rimar em 81, mais ou menos na mesma época em que ficou conhecido pelo apelido de Sabotage. Seu irmão -- morto na chacina dos 111 presos do Carandiru, em 92 -- costumava dizer que "esse cara só faz sabotagem". Ouvindo de Caetano Veloso e Chico Buarque a Pixinguinha e Zeca Pagodinho, formou o primeiro grupo de rap no começo dos anos 90, época em que sua mãe morreu do coração. Desde então, "rap é compromisso", como ele gosta de ressaltar. "O rap me salvou."
Sabotage diz que conhece o Centro da cidade desde moleque, principalmente a Galeria do Rock -- "mas era muito pobre pra comprar os discos, né?"
"Uma vez, depois de um show, um cara veio me mostrar umas fotos que tinha vendido. Aí eu falei: 'Pô, esse aí sou eu, mano!'. O cara riu e falou que tava vendendo a trinta contos no Centrão. Cada um sobrevive como pode." (02/10/2002)