Palavras para imaginar

O encontro com os jornalistas Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima começou com um doce. “Ô, Paulão, vamos dar um pulo ali na barraquinha para experimentar um docinho, vai?”, disse Heródoto Barbeiro. Como já atrasados mesmo para o lançamento do livro "Manual de Telejornalismo", foram. Voltaram meia hora depois, lambendo os beiços. Só então o papo começou.
“Todo jornalista tem a obrigação de andar a pé por São Paulo. Tem de estar de frente para a realidade da cidade, para não perder a noção”, principia Lima. “É emocionante ver a diversidade de culturas, de sotaques, em meio à beleza da arquitetura. Eu sou fã de Ramos de Azevedo e gosto de olhar as obras dele espalhadas pelo Centro.”
Heródoto, observando ao lado, completa: “Nasci no Centro, na praça Dom Pedro 2º. Passei minha infância no Centro. Trabalhei como office boy no Centro, entregando carta e pacotes por aí. Ainda hoje trabalho no Centro. Eu sempre vivi no Centro. Andei e continuo andando muito a pé pelo Centro”.
Lima não deixa ficar para trás: “Eu faço sempre uma via-sacra mensal, ando pelo Centro, da Rádio CBN, onde trabalho, que fica na Santa Cecília, passando pela 24 de Maio, as Grandes Galerias...”.
O passado vai adentrando na conversa, puxa cadeira e senta. “Lembro a época em que havia um palacete na Sé, chamado de Santa Helena”, conta, enquanto pega um cartão-postal da década de 50. “Olha ele aqui. Pena que botaram abaixo. As pessoas tinham de perceber que cuidar não significa derrubar. Assim a nossa história vai pro brejo.”
Lima, que nasceu em São José dos Campos, ainda se deslumbra com a enormidade da cidade: “A realidade pode estar refletida na Rua Aurora, no menino que cheira cola na Sé ou na sala do Cine Marabá, que tem o melhor som da cidade. É tudo tão diversificado”.
A conversa vai ficando mais solta, até que começam os “causos”. “Tem um deficiente físico que sempre está na Santa Ifigênia, andando em cima de um skate”, conta Lima. “Pois é, um dia eu e um amigo estávamos andando por lá, quando ele me disse que o cara havia trabalhado em um filme pornô. Fomos atrás e era mesmo verdade”, conta Lima, se animando para mais uma. “Eu fui uma vez, com esse mesmo amigo, num teatro-pornô ali na Aurora. Não sei se era combinado, mas, numa das cenas de sexo explícito, a mulher chamava os homens da platéia para irem se deitar com ela no corredor. Aí, um homem forte, que estava tomando uma Fanta Uva, se levantou e derramou a bebida nela, se esfregando e ‘bebendo’ o que jogava. Nunca ficamos sabendo se era combinação, mas foi bem... er... peculiar.”
Realmente, o Centro tem história para contar. (20/06/2002)