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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Estranho no ninho de asfalto

Um curitibano chega a São Paulo, 13 anos atrás. Até aí nada de novo, não tivesse ele mergulhado no estranho mundo da literatura. “O Fluxo Silencioso das Máquinas” (R$ 20; 116 págs.), lançado nesta semana pela Ateliê Editorial, é a estréia do jornalista Bruno Zeni, 26, em livro.

“É minha primeira obra publicada, mas não a minha primeira experiência literária. Publiquei meus primeiros textos poéticos em 1996, na revista independente ‘Azougue’, editada por Sergio Cohn”, conta. Tão difícil de descrever quanto gostoso de ler, o estilo de Zeni mistura prosa e poesia em minicontos, fazendo “enunciados de uma voz ao mesmo tempo fraturada e cortante” e escapando a definições. “Não vejo muita separação entre uma coisa e outra, gosto de escrever no limite das duas. Mas o subtítulo do livro --‘Pequenas Iluminações Asfálticas’-- dá uma certa idéia de como entendo esses textos: a poesia como uma faísca, que cintila rapidamente de encontro ao mundo. É uma literatura que vive o agora: luz, cidade, voz”, explica. “Já o título sugere uma leitura ambígua: silencioso e silenciador. O fluxo das máquinas é silencioso porque não diz nada. Barulho demais é silêncio, é falta de voz, de diálogo. Mas a palavra ‘silencioso’ permite também uma leitura mais grave, já que suprime ou encobre a voz humana, frágil demais para competir com os sons das máquinas.” Segundo ele, seu livro nasceu de uma crise: “Fruto do meu amadurecimento, da minha solidão e da descoberta da minha fragilidade em São Paulo --cidade grande demais para nos tranqüilizar”. “Mudei para São Paulo muito novo, aos 13 anos. Demorei para me sentir pertencente à cidade e, mais ainda, sujeito e homem de São Paulo”, conta. Seu processo de escrever foi lento. Caminhou aos poucos. “Anotando, pensando sobre a cidade, sonhando, vivendo, amando, sofrendo e transformando isso em palavras. Foi como se o livro fosse se fazendo, como se um conto pedisse outro.” A cidade entra como personagem e cenário, a tal máquina presente desde o título do livro. “São Paulo está cheia de literatura nos seus escombros”, diz o autor. “Tem uma beleza essencialmente humana e, por isso, trágica: feita de destruição, crime e morte. É desordenada, perigosa, mas também cheia de oportunidades, onde se vive, se ama e se mata. Aqui, estamos todos acuados, constrangidos, obrigados diariamente a inventar novas maneiras de viver e sobreviver.” Fique abaixo com um trechinho-poema, o primeiro de todos, que deu origem ao livro:
“Falta ar. Aqui tudo é grande, mas é difícil se mexer. Mal se vê o horizonte. Tem que saber se posicionar. Há horas em que ele é vermelho, o horizonte poluído. Horizonte puído, se você quiser. Vez ou outra lhe pegam desavisado e um dito reverbera:
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Mas no mais das vezes é sempre um fluxo de silêncio. Uma estranha sensação de estar por demais no ventre da máquina. O fluxo silencioso das máquinas: zunindo, guinchando, fazendo falar a resistência do ar. A cidade forrada de carros. Os carros também vermelhos no fim do dia, acendendo e apagando suas luzes de freio. Parados, eles ofegam. Inspirando e expirando, só eles, só eles respiram.” (02/04/2002)

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