Flash news

Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 25.35 ºC, São Paulo

Poltronas gastas e a trilha sonora de Bob Dylan

Quando ouço a música “Hurricane”, de Bob Dylan, logo vem a imagem de um domingo no Centro, quando morávamos lá e fomos assistir ao filme homônimo no Cine Ipiranga.

O filme – assim como a música – conta a história de Rubin “Hurricane” Carter, um pugilista que, quando alcançou o auge de sua carreira, nos anos 60, viu-se envolvido em um assassinato, pelo qual, mesmo sendo inocente, pagou com 22 anos de sua vida passados na cadeia, tentando provar sua inocência. Apesar de a história ser tocante e bonita, o filme – que aproveita a música como trilha sonora, embora tenha sido composta muito antes do filme, que foi lançado em 2000 – não é exatamente marcante. Tem aquele tom “um-herói-injustiçado-contra-a-podridão-do-mundo” típico das produções norte-americanas. Mas ele foi marcante para mim justamente porque eu assisti a ele no Centro, no Cine Ipiranga. Não fosse assim, talvez eu não me lembrasse tanto da história, das cenas e das emoções como me lembro hoje. Isso foi na época em que moramos no Copan – procurávamos fazer tudo no Centro, inclusive nos divertir. Não me lembro exatamente de quem foi comigo, mas acho que pegamos a sessão das quatro e pouco, ou cinco, porque quando saímos ainda não estava escuro. Quando entrei naquele cinema – coisa que eu fazia pela primeira vez, apesar de viver em São Paulo toda minha vida –, lembrei-me logo das histórias que minha mãe contava sobre a época em que trabalhava e freqüentava o centro. Cinema era um programa glamouroso, as salas eram enormes, com lustres de cristal e uma ante-sala onde um pianista ficava tocando antes da sessão, segundo ela. Eu olhava para cada detalhe do cinema e imaginava a luxuosidade que houvera lá há cerca de 30 anos. Apesar de meio malcuidado, o cinema guardava seu charme. Logo notei algumas curiosidades. Para chegar à sala, que fica no sexto andar do prédio, há duas opções: ou pegar um elevador antiqüíssimo e que não aparenta ser exatamente seguro, ou encarar vários lances de escada. E ao contrário dos modernos multiplex, que oferecem baldes de pipoca e barris de refrigerante até mesmo dentro das salas, no Ipiranga é proibido entrar com qualquer um dos dois tipos de guloseimas. O pipoqueiro que fica perto da entrada ajuda quem quer burlar a norma a disfarçar seus saquinhos e copos. A sala se parece mais com um auditório. A tela era grande, mas nada de som “surround super double interactive stereo” e sei lá mais o quê. Era um som OK, alto, puro (acho!). Não me lembro de ter chorado (é, eu sou uma chorona, choro até nos desenhos da Disney. Herança de vovó). Acabado o filme, fomos para casa – que ficava a confortáveis dois quarteirões do cinema. E não me lembro muito mais daquele dia. A coisa que mais me lembro mesmo é de mim sentada em uma poltrona um tanto gasta de couro vermelho, com a carona do Denzel Washington na minha frente e Bob Dylan entoando: Here comes the story of the Hurricane
The man the authorities came to blame
For somethin' that he never done
Put in a prison cell, but one time he could-a been
The champion of the world
(Aí vem a história do “Furacão”
O homem que as autoridades culparam
por algo que ele não fez
Colocaram na prisão aquele que um dia poderia ter sido
O campeão do mundo)
(06/03/2002)

Tags Trending TrendingTrendingTrendingTrending