Dá para sonhar? Agora dá, sim

Sérgio Rizzo
Réveillon e aniversário são as nossas tradicionais "datas para balanço". Muitos aproveitam essas ocasiões para olhar-se no espelho, fazer um ligeiro inventário mental dos 365 dias anteriores e prometer-se, cheios de esperança, que os 365 dias seguintes serão, de algum modo, mais positivos e felizes. Se a região central de São Paulo, coração da cidade, pudesse fazer o mesmo no seu 448º aniversário, o que veria no espelho e que imagem sonharia encontrar ali em 25 de janeiro de 2003?
Infelizmente, a primeira resposta é conhecida. Apesar das tentativas de revitalização, o Centro continua a ser, para boa parte da população, sinônimo de decadência, violência e sujeira. Não há como recriminar quem pense dessa forma: basta caminhar por alguns de seus pontos mais críticos, mesmo durante o dia, para lamentar que a falta de planejamento urbano tenha feito dali um retrato fiel do caos paulistano --muita energia humana, positiva e negativa, circulando em uma paisagem inóspita, que fere os olhos não acostumados a ela.
Por outro lado, dá para sonhar com um aniversário melhor no ano que vem? Dá, sim. Pode ser otimismo desvairado, mas dá. Quando até o tenebroso prédio onde funcionou durante quase 50 anos o Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) troca de roupa, transformando-se a partir de abril no Museu do Imaginário do Povo Brasileiro e no Memorial do Cárcere, então pode-se acreditar que há jeito para tudo. Perto dali, o antigo Hotel Piratininga ganhou também nova função. Agora, é o Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, sede da antiga Universidade Livre de Música. Devagarzinho, sem que as pessoas notem, aquele pedaço do centro, que muitos chamam de Cracolândia, vai se tornando um "bunker" de resistência cultural. Já estão lá, só para recordar, o Complexo Júlio Prestes e a revigorada Pinacoteca do Estado, sob direção de Marcelo Araújo, ex-Museu Lasar Segall. A Estação da Luz é o próximo edifício na fila da restauração.
Melhor acreditar que os investimentos do Estado no Centro prosseguirão. Quanto à Prefeitura, parece que, no segundo ano do governo Marta Suplicy, as idéias para o Centro sairão do discurso para a prática. O próprio gabinete da prefeita será transferido para o prédio do Banespa no Patriarca, onde o governador Geraldo Alckmin também sonhava instalar sua mesa. O projeto de revitalização da gloriosa Avenida São João inclui a transferência da Secretaria Municipal de Cultura para a esquina da Dom José de Barros. Por que não imaginar que o espaço do antigo Cine Olido possa transformar-se num "Culturaplex"?
Nenhuma recuperação do Centro será levada a sério, no entanto, se um de seus espaços mais nobres, o Teatro Municipal, for esquecido. Pois até por lá os ventos sugerem mudanças, com Ira Levin assumindo a direção musical da casa. A nova iluminação do teatro enfatiza o "iluminismo" simbólico que poderá fazer do Centro, outra vez, um canto hospitaleiro para onde se dirigir sem compromisso agendado, na base do vamos-lá-para-ver-o-que-é-que-tem. Se isso um dia voltar a ocorrer, não é apenas a cidade que vai orgulhar-se da imagem de seu coração no espelho. O paulistano também poderá encarar a sua face de cidadão sem morrer de vergonha. (28/01/2002)
Sérgio Rizzo é jornalista e professor universitário.
E-mail: srizzojr@vento.com.br