Namorado da São João

Eles se conheceram mais tarde, já maduros, quando ele veio de sua cidade natal no interior de São Paulo para a capital. Foi um amor de primeiro olhar. Ele voltou apenas para vê-la. Várias vezes. Ficaram a passear de mãos dadas. Namoro às antigas. "Faz mais de cinco anos que estamos juntos e ainda nem a beijei. Só consegui pegar na mão dela", diz Levino Ponciano.

Mas a paixão é tão grande que ele persiste e fala com brilho nos olhos de sua grande amada: a Avenida São João. "Faço tudo para ficar perto dela. Caminho pelas curvas do Centro. Não há passeio melhor do que um chopinho na São João. Eu já tomo formol com Brahma", vai contando. Seu namoro invisível, embora os dois "nunca tenham ficado", já rendeu dois rebentos. O mais velho se chama "Bairros Paulistanos de A a Z", livro lançado pela editora Senac, com "causos" de toda a cidade. O caçulinha, ainda em gestação, vai se chamar "Todos os Centros da Paulicéia". E Ponciano não tem intenção de parar: "São Paulo é um moto contínuo. Quero entrar para o livro dos recordes como o cara que mais listou bairros de uma cidade em todo o mundo". Seu "mais que um alfabeto de bairros" começou por pura curiosidade. "Tenho mania de primeirinho. Quis contar a história do primeiro bar, do primeiro puteiro, da primeira greve..." E já emenda: "A primeira greve foi de sexo. As paulistas se recusaram a dormir com seus maridos até que eles voltassem para vingar os mortos em uma batalha contra os emboabas. E você sabe o motivo do nome 24 de Maio? Foi a data em que começou a retirada dos corpos de paraguaios mortos durante a guerra contra o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Levou duas semanas para conseguirem retirar todos das ruas". Se deixar, ele não pára. Da fundação do bairro da Luz à origem do termo "carcamano" e aos famosos suícidios do Viaduto do Chá, tem de tudo. Vale a viagem. E, com certeza, você dará de cara com ele um dia desses: "Estou sempre andando como um lobo da estepe perdido pelo Centro". (26/12/2001)