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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Entrevista às avessas

Dessa vez não fomos nós que encontramos a personagem da matéria, foi ela que nos achou. Nos contatou para marcarmos uma entrevista. A intenção era que nós, as Meninas do Copan, falássemos sobre nossa experiência no Centro para ajudá-la no seu trabalho de conclusão da faculdade de Geografia. Mas ela tinha mais tempo de casa que a gente. Fátima Monteiro morou 30 anos (até 1986) no largo do Arouche. Estudou no Escola Normal Caetano de Campos, tradicional colégio localizado na Praça da República, que hoje dá lugar à Secretaria da Educação. Recordações e histórias sobre a região não faltam para ela. “Morava no andar terréo de um prédio. Tinha um quintal onde plantamos várias árvores, escutava passarinho, dormia no silêncio total”, lembra. Nesse ambiente bastante diferente do que se imagina para o Centro de São Paulo, Fátima também aproveitava a boa infra-estrutura que só aquela região tinha. “Eu era uma das poucas na escola que tinha telefone em casa. Só no Centro é que as pessoas conseguiam linha, às vezes, várias linhas. Inclusive uma vez meu telefone estava com defeito e eu liguei pra companhia telefônica pra pedir para trocá-lo. O rapaz da empresa apareceu em 10 ou 15 minutos dizendo que era tão pertinho mesmo que não havia porque demorar”. A boa estrutura da região fez surgir muito comércio no Centro que hoje são grandes cadeias de loja, como a Corello e a Casa do Pão de Queijo. “Lembro que em alguns sábados, quando a Corello fazia liquidação de calçados, às 7 horas da manhã já tinha uma fila de mulheres esperando a loja abrir”, conta Fátima que nessa época ainda não tinha 10 anos. Por outro lado, o lado negativo, o Centro sempre foi marcado por muita prostituição. E disso ela também lembra claramente. “Eu via os carros de polícia passando a noite toda e as mulheres fugindo deles. Eu era criança, não entendia direito o que estava acontecendo, e achava engraçado”. Nem no dia do incêndio do Andraus, a região tinha um descanso da prostituição. “Você podia sentir o calor a três quarteirões do prédio. E, à noite, quando eu saí na rua parei num degrau para ver como estava a movimentação. Depois de um tempo um homem parou bem na minha frente. Era um 'prostituto', eu estava bem no lugar onde era o ponto dele. Eu acompanhei então essa mudança do homem também passar a vender o corpo nas esquinas do Centro”, descreve. E essa foi uma das coisas que mais marcou a percepção de Fátima em relação ao Centro. Quando mudou de lá depois da morte de seu pai, há cerca de 14 anos, algumas lembranças começaram a incomodá-la. “Mas uma vez ouvi que quando você enxerga o passado pelos olhos da história os fatos ficam menos doloridos, então decidi fazer meu trabalho de conclusão sobre a região central, que tem um valor importantíssimo para a cidade”, conclui Fátima. (17/12/2001)

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