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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Olhar forasteiro

Lembro quando conheci São Paulo em 1992. Tinha 14 anos. Tudo era novidade. Imagina um sujeitinho brasiliense, acostumado a enxergar árvores, grandes gramados por todo o lado e o horizonte com frequência, ficar mirando embasbacado para cima feito um caipira, impressionado com a altura dos prédios de São Paulo. Tudo aquilo era inédito, fascinante. Sem dúvida, deslumbramento à primeira vista. Sem contar aquele monte de gente andando em um desespero ímpar. Pareciam robôs. Robôs com destino, mas, ao mesmo tempo, sem destino. Vítimas indefesas do incessante relógio.

Freqüentemente, ouço paulistanos que condenam esse encantamento que senti. Não é difícil ouvir: “ Tá louco, mano? Como é que você gostou disso? Se pudesse já tinha me mandado daqui”. O engraçado é que, às vezes, pareço um defensor da bandeira dos outros. Bandeira essa que os outros não defendem. E não se pode falar que há puro desprezo no comportamento dessas pessoas. Muitas delas passaram a repetir automaticamente o que a maioria fala e lembra quando se trata de São Paulo e do seu Centro. Sujeira, confusão, prostituição, camelôs e assim vai. Não pairam dúvidas sobre os inúmeros males do Centro. Não se quer aqui negá-los. O problema é que as pessoas se atentam apenas para o lado cinza. Não percebem a beleza que há na região: é mais cômodo criticar. Critica-se o governador que não coloca policiais nas avenidas. Critica-se a prefeita que não promove a limpeza adequada do local. Critica-se a iniciativa privada que enche as ruas com anúncios publicitários. A crítica é lícita e incita um repensar sobre o que tem sido feito. Auxilia, inclusive, na adoção de medidas que transformam o ambiente. O cenário, aos poucos, torna-se mais agradável. Tanto que já existe um amplo projeto de revitalização do Centro da cidade e, até mesmo, um site (este aqui) que cede espaço para abordar o tema. Uma atitude simples, no entanto, corrobora no ressurgir da cidade e não custa absolutamente nada: a “azulização das vistas”. Explica-se: as coisas feias e desagradáveis, sabe-se de cor. O essencial agora é ver as coisas azuis, bonitas. Um novo olhar. Há alguns motivos para isso. O Centro transpira história. O Teatro Municipal, por exemplo, foi palco de artistas de primeira grandeza que enalteceram a cultura nacional na Semana de Arte Moderna em 1922, sem citar a estética do edifício que é de tirar o chapéu. O Vale do Anhangabaú e a Praça da abrigaram por várias vezes manifestos democráticos, como o da Diretas Já em 1984, que mudaram a rota do país. O Viaduto do Chá, quando visto do Viaduto Santa Ifigênia, surpreende pela sua antiga forma e eficácia atual. Já pararam para pensar quantas pessoas e carros passam por ali diariamente? O Edifício Joelma, mesmo que traga à lembrança tristes cenas, consegue resgatar um dos sentimentos mais humanos: a apreensão. Por que poucos valorizam isso? A riqueza cultural do local é tão grande que precisaria de várias páginas e de uma atenção incomensurável do leitor para abordá-la com um mínimo de coerência com o seu merecimento. São Paulo e os paulistanos, principalmente, precisam recuperar primeiro a auto-estima. Os “estrangeiros” que aqui vivem enobrecem esta cidade. Dão a ela, na medida do possível, o seu devido valor. A música, que é a cara da capital, é do baiano Caetano Veloso. Paulistanos não precisam ser bairristas nem brilhantes, necessitam apenas aprender a gostar de São Paulo e das suas coisas. Dado isso, o resto ficará bem mais fácil. Vocês vão ver! (01/11/2001) Murilo Ramos tem 23 anos e é jornalista. Nasceu e passou toda a infância em Brasília. Mora em São Paulo há menos de um ano e, por enquanto, está gostando bastante.
muriloramos@hotmail.com

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