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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Beckett na cozinha

“Comigo não tem essas frescuras. Eu fico com mania de acompanhar novela nova. Então fiquei na boa, em casa”, começa a contar a atriz Vera Holtz, 47, após o pedido de desculpas da repórter, que deu o bolo no primeiro dia marcado para a entrevista.

Com sotaque de Tatuí, no interior de São Paulo, onde nasceu, e moradora há 25 anos no Rio de Janeiro, ela se considera uma visitante na capital. “Para mim essa cidade é sempre uma revelação. Eu vejo o Centro pela memória das outras pessoas. Tô andando por aí e alguém fala: ‘Você sabia que aqui tem o maior jardim suspenso da cidade?’”, vai contando sobre o prédio do Banespa na Praça do Patriarca. “Aí eu digo: ‘Ai, meu Deus do céu! Como é que pode?’”, diz. Morou em São Paulo por dois anos, enquanto fazia o curso de teatro da Escola de Arte Dramática, da USP. “Frequentava com alguns colegas as lojas da Rua Direita, que é paralela ao CCBB, porque os preços eram muito em conta.” Profissionalmente, a carreira de atriz deslanchou em 1979. Depois de muitas novelas, como “Uga, Uga” e “Presença de Anita”, e peças como “Pérola”, ela volta ao palco com “Dias Felizes”, texto de Samuel Beckett adaptado para o espaço do Centro Cultural Banco do Brasil. O espetáculo já passeou muito: esteve no Rio, Brasília e Curitiba. Neste final de semana, encerra temporada em São Paulo. “Brincamos que é um Beckett na cozinha, bem humanizado. Queríamos que ele fosse entendido e resolvemos esquecer a formalidade”, afirma. “Gosto de estar no CCBB, é uma volta ao que fiz no Rio. Chegar à cidade quase vazia e começar a descobrir um lugar. Foi feito um corredor cultural aqui, no Rio, e há essa proposta da Marta de fazer algo parecido em São Paulo. Acho que vai dar certo. A gente vai redescobrindo os lugares e fazendo novos espetáculos nessas áreas.” A atriz diz que vive da memória alheia. “Começo a colorir o Centro através das observações das outras pessoas. Passo a conhecer as coisas através das experiências dos outros.” O convite para fazer a peça pintou faz tempo, na inauguração do espaço na Rua Álvares Penteado. “Na abertura, eu me senti muito aquecida pela alegria de inaugurar aquele ponto. Gostei de poder fazer parte do time. Esse espaço foi uma conquista para a cidade. Além disso, você tem de cuidar dos lugares onde estão a sua história”, afirma. Para Vera, a volta ao Centro é um reaquecimento cultural. “O Centro hoje não é só a memória das pessoas passeando pela esquina, falando do passado. É também fazer uma história nova em cima daquela que é fantástica que é uma velha história.” Também foi esse um dos motivos que a levaram a protagonizar a o espetáculo no CCBB. “Quis mostrar uma obra moderna: o velho no novo e o novo no velho.” E compara com o espaço similar no Rio: “Aqui o CCBB é um escândalo de sucesso. O daí ainda é novinho, está sendo conhecido, mas pode vir a ser também. Eu me sinto pioneira ao ocupar esse espaço novo”. E me conta o que acha que trará dias felizes a São Paulo: “‘Dias Felizes’ são todas as coisas novas nos lugares velhos. Têm de se ocupar o Centro novamente, reinventar o novo”. As pessoas ainda param muito a atriz no meio da rua. “Tem gente que se assusta ainda. Pergunta o que eu estou fazendo andando na Rua da Quitanda. Acham que estão me vendo numa tela. Mas o que eu mais gosto é de me perder no meio da multidão. Mas eles me encontram sempre. E não deixam nunca de me cumprimentar: ‘Como vai, dona Vera?’, sempre com muito respeito”, finaliza. (06/10/2001)

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