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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 24.02 ºC, São Paulo

Túmulos de papelão, um esqueleto, árvores e arbustos

Túmulos de papelão, um esqueleto emprestado de uma faculdade de Medicina, um caixão, quadros e móveis emprestados de casas comuns. Faltavam apenas algumas árvores para que o cemitério montado em estúdio pelo cenógrafo José Veldovato ficasse pronto. A película de "À meia-noite levarei sua alma" seria finalizada em 1964, quando o diretor José Mojica Marins estava no auge da carreira cinematográfica: o personagem Zé do Caixão sairia de um pesadelo do cineasta para encarnar nas telas dos cinemas do Centro. Durante aquela madrugada, os alunos da escola de atores de Mojica -- que compunham o elenco do filme -- trabalharam sem parar para terminar o "cemitério". Quando o diretor chegou, na manhã seguinte, o estúdio tinha se transformado numa verdadeira floresta -- tinha até arbusto. Mas uma das árvores tinha um anúncio de auto-escola pregado no tronco. "Perguntei à equipe onde é que eles tinham arranjado aquelas plantas todas", recorda Mojica. "E o pessoal disse que elas tinham vindo dali mesmo, do Centro. Naquele dia, as ávores do Largo do Arouche amanheceram podadas", conta o diretor. Duas décadas depois, o Centro da cidade ainda seria o cenário de outra passagem lendária do cinema de Mojica. "Eu precisava filmar um concurso de beleza, mas não tinha dinheiro para pagar os atores e as locações. Então, como desculpa, inventamos um concurso chamado 'A rainha do cinema paulista dos anos 80', com coroa, faixa e um prêmio de mil reais", conta. Para isso, a equipe de Mojica alugou uma sala no Largo General Osório. "Naquela época, o local já era conhecido como Cracolândia. Tinha muito marginal e traficante. Mas ficava perto da rua do Triunfo -- na Boca do Lixo, região da Santa Ifigênia, onde se fixaram os produtores de cinema marginal -- perto do meu escritório", recorda. A desculpa funcionou e o local ficou apinhado de gente. Uma hora e meia depois, quando tudo parecia ter tido um final feliz, os mais de cem carros que estavam estacionados na rua tinham sido depenados. "Levaram as peças do motor e todos os pneus", conta Mojica. "O engraçado é que na saída os seguranças estavam todos de fogo e ninguém tinha visto nada. Duro foi acalmar o pessoal." Mas engana-se quem pensa que a relação de Mojica com o Centro de São Paulo resume-se ao cinema. A história começou antes, e por causa dos cigarros. Em 1931, Carmen e sua irmã, Conceição, arranjam emprego na fábrica de cigarros Caruso, na rua São Bento. As duas trabalhavam encarteirando cigarros durante oito horas por dia, seis dias por semana. O gerente, Antônio Marins, era um moreno alto e simpático, que antes de ter esse emprego acompanhava o pai em touradas. Carmen e Antônio começaram a namorar. Cinco anos depois, numa sexta-feira 13, em março, nasceria José Mojica Marins, hoje com sete filhos e dez netos. Uma das maiores preocupações do cineasta, no momento, é terminar de montar o seu museu. "Estamos compilando tudo, praticamente: desde fotos e filmes antigos até o primeiro caixão, que tenho até hoje. Assim, quem quiser saber sobre a minha vida e a de Zé do Caixão, pode ir até lá", diz. Enquanto a inauguração não acontece, Mojica atua como multimídia que sempre foi. Estreou nas telonas de Brasília como o Mensageiro do Inferno, personagem do filme "Tortura Selvagem - A Grade", do cineasta trash Afonso Brazza, "mas ainda não tive tempo de assitir", diz. Além de criar contos para o site oficial de Zé do Caixão, participar de encontros com produtores de séries de terror e de programas na TV Globo, produzir um programa na rádio 89 FM e cuidar do lançamento de uma caixa de DVDs nos Estados Unidos, ele está entretido com um de seus mais novos personagens. "Trata-se de um químico que desenvolve uma fórmula para tratar dos problemas sexuais das pessoas", explica. A locação é uma fazenda em Americana, interior de São Paulo, de onde Mojica acaba de chegar. E ainda arruma tempo para ser Mestre de Cerimônia de um evento para eleger a pior História em Quadrinhos de Terror. Mas tratar os problemas nos olhos, que é bom, nada. Mojica sofre de glaucoma e catarata, e promete tirar uns dias para fazer uma cirurgia. Só não se sabe quando. "O que eu queria mesmo era viver para ver a clonagem", diz, explicando que precisaria de mais dois Mojicas para dar conta de tudo o que ainda gostaria de fazer. (01/10/2001)

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