O Fanfulla, a Ipiranga e a São João

Nos anos 70, quem passasse pelo Bar Brahma na esquina da avenida Ipiranga com a São João e resolvesse dar uma paradinha na banca de jornais logo ao lado pra saber das novidades corria sério risco de encontrar o jornaleiro Mário Abbatepaulo puxando um banquinho para Adoniran Barbosa descansar. "Nessa época ele já estava mal, tossia porque fumava demais", diz o vendedor de jornais e revistas, hoje aposentado.
Os periódicos entraram cedo na vida de seu Mário. Nascido em 1933, ele cresceu no Brás observando o pai e os cinco irmãos lidarem com o universo dos impressos. Os pais vieram novos do sul da Itália e logo se instalaram em uma colônia no bairro da zona leste paulistana. Enquanto a mãe trabalhava na Tecelagem Matarazzo, o pai era o distribuidor oficial de "Fanfulla", jornal impresso em italiano com notícias da terra natal. "Isso foi antes de eu nascer, foi na década de 20, mais ou menos", conta. "Nessa época, meu pai tinha uma banca de jornais e revistas em frente ao Mappin, na Praça Ramos, uma das mais importantes da cidade até então."
Um dos irmãos, Victor Francisco Abbatepaulo, chegou a ser presidente da Associação dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo, que hoje se tornou um sindicato. "Naquela época, ser dono de uma banca de jornais dependia da permissão da prefeitura", explica. "Quando o dono da banca morria, a família não tinha o direito de tomar conta do negócio." Na época em que Jânio Quadros assumiu a prefeitura da cidade, Victor conseguiu mudar a situação. Agora o proprietário da banca pode administrá-la da forma que preferir.
A estréia de seu Mário no Centro foi em 1969, quando trabalhou em uma banca na esquina da Avenida Rio Branco com a Antônio de Godói, onde hoje funciona um departamento da Polícia Federal. Nesse meio tempo, também ajudou a irmã em uma firma de materiais fotográficos na Avenida Cásper Líbero. E os negócios com impressos foram tomando dimensões maiores: "um de meus irmãos foi dono de livraria no terminal rodoviário da Luz, a primeira rodoviária da cidade. Já o cunhado de outro irmão foi proprietário de uma das melhores bancas de São Paulo, na Cidade Jardim." Hoje em dia, os dois filhos de Victor mantêm uma banca em Pinheiros, em frente à Igreja da Cruz Torta.
Foi em 72 que seu Mário se mudou para a esquina da Ipiranga com a São João. "Acordava às quatro da manhã, saía de Pinheiros, onde morava, e partia para as distribuidoras para pegar as revistas e levar o material para o Centro. Ficava na banca até 14h30 ou 15h, quando outro funcionário assumia", conta. "Naquele tempo, as bancas no Centro funcionavam 24 horas e o movimento era intenso. Num domingo normal, o 'Estadão' vendia 120 unidades até o meio-dia", diz seu Mário, que acompanha as edições das revistras 'Veja' e 'Isto É' desde que começaram a sair. O hábito de ler todos os jornais ele mantém até hoje. Mas a idéia de trabalhar com isso, não. "Atualmente gostaria de morar no litoral", diz. "As vendas de jornais caíram muito por causa das assinaturas." (16/09/2001)