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Páginas de Niemeyer

Não é tarefa fácil decidir qual aspecto do livro Oscar Niemeyer: Uma Lição de arquitetura comentar primeiro. O autor Eduardo Corona, arquiteto e amigo pessoal de Niemeyer, foi impecável. Selecionou textos, cartas, frases, explicações de projetos e, logicamente, desenhos como quem escolhe um presente de aniversário para uma pessoa querida. Com uma linguagem clara e objetiva, Corona mostra o que significava a arquitetura para Niemeyer, fala de sua criatividade incomum e detalha sua obra. Explica os principais projetos do arquiteto, um a um. Nesse ponto, não houve surpresas. Como de costume, o Copan não ganhou um capítulo especial, nem uma página, nem mesmo uma breve citação.

Mas, como essa ausência já era esperada, não convém entrar no mérito de tal questão. Vale mais a pena atentar-se aos rabiscos tortos e perfeitos de Niemeyer e aos seus estudos desconhecidos, que não saíram do papel. O mais incrível deles é o zoológico de Argel, capital da Argélia, na África. Diferente de tudo que já se viu sobre um zôo, o resultado é um parque ecológico mais que original. Nas palavras do arquiteto, ele seria "um jardim zoológico diferente, ligado aos problemas ecológicos, ou melhor, à preservação da espécie animal que começa a se desfigurar e desaparecer". Para não tirar os animais de seus habitats naturais nem obrigar os visitantes a observá-los através de vidros ou grades, a solução seria criar passarelas. Elas ficariam a cinco metros da área dos mamíferos, por exemplo. A vida dos peixes seria observada por escotilhas e somente uma tela separaria as aves das pessoas. O passeio incluiria ainda museu da ecologia com textos e fotos tratando do surgimentos e da extinção das espécies. Infelizmente, todas essas idéias para uma "zoodisneylândia" permaneceram na mente e nos estudos de Niemeyer. Azar dos argelianos e de seus turistas. Mais sorte tiveram os paulistas que, além do Copan (OK, não falaremos nisso), ganharam o Memorial da América Latina --um orgulho para o arquiteto: "Uma obra cuja a monumentalidade corresponde à grandeza dos seus objetivos. Aproximar os povos da América Latina tão oprimida e explorada". Ao final do livro, duas sensações: a admiração pela obra de Niemeyer e uma dúvida. Por que Corona não dedicou nem uma linha sequer a um dos cartões postais mais conhecidos de São Paulo se em entrevista ao Sampacentro o próprio arquiteto reconheceu o Copan? A perguntar fica no ar já que o autor faleceu em meados deste ano. Vale dizer que só partiu depois de ver sua obra terminada, a tarefa de contar a lição de Niemeyer foi cumprida. Nos ensina a sonhar
mesmo se lidamos
com matéria dura:
o ferro o cimento a fome
da humana arquitetura.
Nos ensina a viver
no que ele transfigura: no açúcar da pedra
no sono do ovo
na argila da aurora
na alvura do novo
na pluma da neve.
Oscar nos ensina que a beleza é leve.
Poema de Ferreira Gullar sobre Niemeyer, 1976 (09/09/2001) Oscar Niemeyer: Uma Lição de Arquitetura
Autor: Eduardo Corona
Editora Fupam

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