Mas será o benedito?
Aguardo meu entrevistado chegar numa salinha sóbria. Num rompante, ele adentra o recinto, falando rápida e nervosamente. Isso seria normal, não fosse meu interlocutor um monge beneditino.

Dom Rocco Fraioli é o regente do coro do Mosteiro São Bento. Recentemente coordenou a gravação de um CD em parceria com a cantora Fortuna. “Foi maravilhoso. Unir o judaísmo e o beneditismo numa obra tão bonita. Foi uma maneira de quebrarmos a divisão entre as duas religiões. Para mim, foi um diálogo inédito. Outra pergunta”, me apressa.
Ele conta que não é novidade misturar religiões, os beneditinos cantam todo ano com um grupo de monges tibetanos. Mas, por enquanto, não pensam em gravar um registro desses encontros. “O grupo do ano passado não era tão bom. Mas eles têm um som grave de voz que é lindo. Quem sabe não fazemos um CD em breve.”
Todos os monges cantam no coral. “A vida no mosteiro é muito longeva. Aqui vivemos até 90 anos ou mais. Por isso, podendo ficar de pé durante a missa, está no coro”, exagera o monge. “Na verdade, é essa a nossa maneira de rezar. Nós nos reunimos todos os dias para rezarmos, de manhã, de tarde e de noite. Algumas orações são recitadas, outras são cantadas. Não temos uma pretensão artística”, explica Dom Rocco.
Apesar da aparente falta de profissionalismo, o canto é levado muito a sério. “Ensaiamos bastante, claro. Não podia ficar feio, afinal buscamos algo mais do que o foguetório das festas. Se só for bonito, ninguém volta. A beleza do nosso canto está além disso. É algo incompreensível”, diz.
De gestos largos e intensos (ficou batucando com os dedos no braço da poltrona durante toda a entrevista), suas idéias não ficam só na música e na religião. Pergunta se sou casada. Com a resposta negativa, acrescenta se tenho filhos: “Hoje em dia, tem de perguntar, né, minha filha?!”.
E comenta o governo e o comportamento dos conterrâneos: “Paulista --eu sou paulista, por isso posso falar-- gosta de reclamar mesmo. Mas sempre trabalha em prol da cidade. O povo daqui é ótimo. Se o governo soubesse”.
O olho do furacão é a definição dada para a vida no Centro da cidade. “A sensação é essa. Tudo em volta num turbilhão maluco, mas aqui dentro, no olho do tufão, uma paz e um silêncio tremendos”, conta. “O Centro não é bagunçado nem caótico. É apenas uma correria danada. Eu adoro o Centro.”
E não me deixa mais falar... “Tem muito preconceito. Gente que acha que monge passa o dia meditando. Não é bem assim... Trabalhamos bastante. Veja o dia de hoje”, diz Dom Rocco. No dia da entrevista, houve a cerimônia de celebração do novo abade do mosteiro. Um evento que reuniu o cardeal e o arcebispo numa missa lotada no Mosteiro São Bento.
Em dezembro passado, foi gravado no mosteiro o CD gregoriano natalino. “Continua vendendo muito bem. Os meus acabaram, preciso mandar fazer mais cópias”, conta. Já são quase 15 mil vendidos. “Ficou realmente muito bonito, com os sinos ressoando. Apesar da dificuldade de transportar todo o equipamento técnico de gravação, foi ótimo.”
E já emenda com os próximos projetos: “No dia 13 de setembro, a missa vai ser cantada com a Fortuna. Não quero nem ver. Quer dizer, é modo de dizer, né?! Como dizia Santo Agostinho, cantar é rezar duas vezes”, filosofa Dom Rocco.
No final, faz um convite: no dia 23 de agosto, às 20h30, acontece um recital de órgão no mosteiro. A entrada é franca e é uma oportunidade de conhecer o local. “Quem visita sempre acaba voltando”, conclui o monge. (17/08/2001)