Cinema, manifestações e o Guarda Luizinho

Trabalhei no Centro de 1966 a 1976, quase sempre em companhias de seguro. A primeira ficava na rua José Bonifácio, 110, e meu cargo era de conferente de apólices de seguros. Na época, tinha 16 anos, ia de ônibus de São Mateus até o Centro - percurso que levava em média, duas horas. Mas acabei me acostumando, ia lendo, conversando ou cochilando. No fim do dia, ia para a escola.
Meu material escolar e os livros que os professores pediam eu comprava na livraria e papelaria do governo que ficava na Galeria Prestes Maia e vendia a preços bem mais baratos do que outros locais. Lá, comprávamos também passes escolares.
Durante as férias ou depois que terminei o colegial, ia aos cinemas do Centro, que eram ótimos (não existam os shoppings). O meu preferido era o Cine Paissandu. Pegava sempre a sessão das 18h, após o expediente. Havia uma sala de espera confortável com um pianista tocando músicas super relaxantes. Lembro-me de ter assistido "Dr. Jivago" neste cinema.
Trabalhei em uma financeira na Praça Antonio Prado que foi comprada pelo Banespa. Então, tínhamos o direito de almoçar no restaurante do Banespa, naquele prédio bonito que é um dos cartões postais da cidade. O restaurante servia pratos simples, como arroz, feijão, saladas e carnes, mas muito saboroso. Havia também o prato "regime", para as pessoas que queriam "entrar na linha".
Tive muitos outros empregos no Centro: Rua Marconi. Também na Quintino Bocaiúva, João Brícola e na Rua 24 de Maio - meu último emprego no Centro. Em todas as empresas fiz muitos amigos e todos os dias passeávamos pelo Centro na hora do almoço.
Íamos a lojas, assistíamos a eventos no Teatro Municipal, visitávamos igrejas, galeias, museus e restaurantes. Época maravillhosa. As pessoas circulavam tranqüilas, usando jóias e relógios, sem medo nenhum.
Complicado mesmo era quando o salto dos sapatos das moças quebrava no meio da rua. Mas no largo do Café havia uma salvação: um sapateiro que consertava sapatos na hora. Os clientes aguardavam sentados enquanto liam algo ou cochilavam. Poucos minutos depois, recebiam os sapatos renovados.
A agitação ficava na esquina da rua Xavier de Toledo com a Praça Ramos, bem na frente do antigo Mappin (hoje Extra). Além do grande movimento de carros, havia um guarda de trânsito que ficou famoso pela maneira bem humorada como trabalhava. Muitos se lembram do Guarda Luizinho. Ele educava as pessoas para que não fossem atropeladas. Quando alguém atravessava com farol fechado ou fora da faixa de pedestres, ele parava o trânsito e conversava com a pessoa, pegava a mão dela e atravessava junto. A pessoa passava a maior vergonha enquanto os outros se divertiam. Várias pessoas paravam para assistir ao "show" do Guarda Luizinho.
Nunca passei vergonha nas mãos do Guarda Luizinho, mas um dia fiquei realmente tímida quando, caminhando pela rua José Bonifácio, fui abordada por um rapaz muito bonito e bem vestido, tipo executivo, que me perguntou se eu acreditava em amor à primeira vista. Não me lembro o que respondi, mas acho que disse que sim. Ele, então, perguntou se eu tinha namorado e respondi que sim. Ele pediu desculpas e foi embora. Nunca mais vi o rapaz.
Naquela época não havia assaltos ou furtos, mas vivemos um período de muita violência: o auge da época da repressão militar. Das janelas das empresas, assistíamos às manifestações dos estudantes de direito da Faculdade São Francisco. Muitas vezes não podíamos deixar o prédio, pois a Polícia interditava as ruas com cavalaria e cães, era perigoso sermos presos ou machucados.
Depois do meu último emprego no Centro - na rua 24 de maio, como já disse - fiquei um bom tempo sem ir pra lá. Agora, com a recuperação de diversos pontos, voltei a freqüentar locais como o Teatro Municipal, o Mosteiro de São Bento e o Pátio do Colégio, além de conhecer lugares novos como a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, e o Centro Cultural Banco do Brasil.