Militão, o historiador esquecido

A História, assim com H maiúsculo, não tem autor. Pode-se dizer que ela tem agentes, isso sim. Mas nunca um autor. E quanto aos resgistros da História? Livros, estudos, pesquisas, reportagens, fotografias, enfim, materiais que documentam os fatos. Agora sim, esses têm seus autores. Um exemplo que chega fácil à mente é Euclides da Cunha. O escritor carioca, quando era jornalista do jornal O Estado de S. Paulo, foi cobrir a guerra de Canudos e nos deixou de presente Os Sertões, provavelmente o mais fiel retrato da batalha baiana.
Euclides da Cunha e sua obra ficaram célebres. Mas essa não é a regra entre os historiadores. Muitos relatos e fotografias são importantes registros de uma época, mas quando se vai descobrir a autoria, está lá: anônimo. Outras vezes o responsável é conhecido mas ignorado. Quem nunca parou para ver - e se encantar - com aqueles retratos antigos de São Paulo, que mostram a construção de trilhos para bondes, homens apressados com seus chapéus de época e até os escravos urbanos?
Pois é, embora muito provavelmente poucos tenham se atentado a isso, as fotos mais conhecidas da São Paulo de nossos avós tem sim um autor: Militão Augusto de Azevedo, um fotógrafo carioca que foi seduzido pelas belezas paulistas e resolveu registrá-las. Foi pioneiro no ofício de retratar a transformação urbana de São Paulo.
Militão Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1840 e veio para capital paulista quando tinha pouco mais de 20 anos. Em 1862, começou a fotografar a cidade. Era também ator. Aliás foi uma temporada em São Paulo da Companhia Dramática Nacional, da qual fazia parte, que o motivou a se mudar para cá. Seu contato com o teatro influenciou sua maneira de olhar através das lentes da máquina fotográfica. Fez com que se sentisse mais livre para criar em cima do cotidiano paulista do final do século XIX.
Em 1875, Militão adquiriu seu próprio estúdio, batizado de Photographia Americana. Sua obra retratava os personagens da cidade e o modo de vida vigente na época. Retratou milhares indivíduos anônimos e também celebridades como Castro Alves, Rui Barbosa e o próprio Dom Pedro II. Assim, trabalhava com pessoas de diferentes classes sociais, fato raro na época, quando o comum era fotografar os ricos apenas. Criou então uma verdadeira galeria de tipos. Como a transformação urbana era sua verdadeira paixão, clicou diversas construções. São de sua autoria, por exemplo, o retrato obra da ferrovia Santos-Jundiaí e a reforma do Largo São Francisco.
Um dos aspectos mais interessantes do fotógrafo, e por que não do historiador, é o fato de ele ter uma clientela bem mais popular que a dos outros estúdios da cidade. Isso por causa do preço que cobrava: uma dúzia de retratos custava o equivalente a cinco passagens de bonde.
As mais de 12 mil fotos de Militão, que morreu em 1905, compõem um fiel e valiosíssimo documento sobre a São Paulo na virada do século XIX. E, logicamente, a maior parte delas mostra o Centro, já que era ali que aconteciam as principais transformações da cidade. Era no Centro também que ficava seu estúdio, bem no meio do movimentado Largo Paissandu. O acervo com esse material encontra-se hoje no Museu Paulista (Ipiranga). Foi doado pela Fundação Roberto Marinho e ocupa 270 metros do subsolo do museu. (14/07/2001)