Flash news

Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 26.28 ºC, São Paulo

Leitor de ladrilhos

Quem já visitou o Solar da Marquesa talvez não tenha notado que, além da arquitetura, dos objetos e das obras, o piso da casa ao lado guarda uma porção sutil de história e arte. Os ladrilhos da entrada da Casa nº 1 são hidráulicos, ou seja, fabricados por meio de um processo artesanal de prensagem que utiliza água, como o próprio nome diz. “Dependendo do desenho, o trabalho pode levar meses, pois cada ladrilho é feito individualmente”, explica Zilton Michiles, sócio da Ornatos Nossa Senhora da Penha, responsável pela restauração dos ladrilhos da Casa e uma das únicas oficinas no mundo que ainda fazem esse tipo de trabalho. “É uma técnica sobre a qual não há muito registro”, explica ele. “Existem alguns livros, há alguma informação na Internet, mas quem tem o conhecimento aprendeu com outra pessoa que sabia fazer. É uma arte que é transmitida através das gerações.” Zilton entrou no negócio por acaso. Formado em jornalismo, ele foi para Nova York no início dos anos 80 tentar trabalhar na área (ele tinha um amigo que trabalhava em um jornal para brasileiros) e ganhar experiência de vida. Lá ele passou dois anos e meio e conheceu Élida de Biasi, com quem se casou. Enquanto isso, em São Paulo, Élder de Biasi, seu sogro, procurava uma fábrica para restaurar o piso de duas casas que ele possuía – uma no bairro do Belém e outra na Moóca. “Quase não existiam fábricas de ladrilhos hidráulicos. Esta, que foi fundada por dois irmãos italianos por volta de 1908, estava praticamente desativada”, lembra Zilton. Élder de Biasi resolveu comprar a fábrica e retomar a produção. Para ajudá-lo, chamou a filha e o genro e conseguiu trazê-los de volta de Nova York. “Não entendíamos nada de ladrilhos hidráulicos e, com a falta de literatura especializada, aprender foi ainda mais difícil”, diz o industrial. “Tivemos que buscar os conhecimentos com as poucas pessoas que ainda conheciam a técnica.” Deu certo. Hoje, a Ornatos, localizada em um galpão com um escritório em cima, no bairro da Penha, é um dos mais conceituados do mundo. Além da Casa nº 1, a fábrica já restaurou o Teatro Municipal de São Paulo, o Pátio do Colégio , o Mosteiro de São Bento , o Palácio do Catete (Rio de Janeiro, RJ), igrejas e casas em cidades históricas como Ouro Preto (MG) e Porto Seguro (BA) e até um castelo em Amsterdã, na Holanda. “Nesse castelo, ganhamos a concorrência com fábricas tradicionais na Europa pela qualidade do nosso trabalho.” Mas nem só de restauração vive a fábrica. Desde o início dos anos 90, quando ganhou bastante espaço na mídia por seu trabalho diferenciado, a Ornatos acabou conquistando arquitetos e decoradores, que viram nos atributos estéticos e na durabilidade dos ladrilhos um ótimo material para suas composições. “Somos requisitados principalmente para casas na praia e no interior, que têm um estilo mais rústico, às vezes até colonial. Combinam com os ladrilhos”, afirma Zilton. Os preços dos ladrilhos variam de acordo com o grau de complexidade para encontrar as cores certas, fabricar a ferramenta e realizar o trabalho propriamente. Na linha comercial, a Ornatos tem modelos que vão de R$ 30 a R$ 120 o metro quadrado. Para o restauro, o valor varia entre R$ 50 e R$ 300. O trabalho mais difícil da fábrica foi a restauração do piso de uma casa no Rio de Janeiro pertencente ao Departamento de Patrimônio Histórico. "O custo ficaria em torno de R$ 1.200 o metro quadrado, mas acabamos cobrando menos porque, quando fizemos o orçamento para a instituição, não tínhamos idéia das complexidade do trabalho. O desenho imitava os mosaicos, tinha muitos detalhes, diversas cores. As dificuldades começaram já na hora de fazer a ferramenta”, lembra ele. A ferramenta é o “molde” do desenho feito em latão por uma pessoa especializada nisso. Ele é aplicado sobre o ladrilho e o artesão vai despejando as cores nos espaços certos, de acordo com o modelo original. “Mas o molde fica ao contrário do modelo, ou seja, o artesão tem que olhar o modelo e enxergá-lo inversamente para aplicar a cor de modo correto. Exige muito dos olhos. O artesão que fez os ladrilhos para essa casa ficou com problemas seríssimos de visão.” Encontrar a cor certa, nos casos de restauração, é outra novela. “Baseados nos modelos originais, temos que fazer testes, mandar para análise em laboratório e, só quando é constatado que a cor é aquela, começamos o trabalho”, explica. “No caso do Teatro Municipal, por exemplo, foram 60 dias sem parar de testes para encontrar os tons corretos.” Além de todas essas dificuldades, a fabricação de ladrilhos hidráulicos conta com poucas pessoas especializadas e os jovens não querem aprender. “Já tentei treinar pessoas aqui, mas depois de um ou dois meses, muitos desistem. Afinal, é um trabalho que exige uma paciência de oriental.” A fábrica emprega seis artesãos. “Um deles, que tem dez anos de experiência, consegue fazer até 60 ladrilhos por dia. O mais produtivo aqui consegue fazer até 120 por dia, mas ele tem 40 anos de experiência”, afirma Zilton, que se diz muito realizado com seu trabalho. “Acabamos colaborando com a perpetuação desse processo, que deve ter mais de 400 anos”, finaliza. Serviço:Casa nº 1
Rua Roberto Simonsen, 136 B
Tel. 3104-1463
Ornatos Nossa Senhora da Penha
Rua Capitão João Cesário, 116/118
Tel. 6647-0488/6646-4233/6646-4495
www.ornatos.com.br

Tags Trending TrendingTrendingTrendingTrending