Quero morrer no "palco"

Em 1969, o livro 'Sois Todos Sampaku', de William Dufty - sobre a influência da alimentação na nossa saúde - caiu nas mãos de Nadir Khouri, então com 43 anos. "Comecei a ler na sexta e passei o sábado e o domingo inteiros sem dormir, pensando em todas as besteiras que eu havia feito com minha saúde por meio da alimentação", afirma. Foi a partir daí que ela adotou a macrobiótica - estilo de vida que busca na alimentação natural e em práticas como horas regulares de sono e respiração correta, saúde, bem-estar e qualidade de vida.
Na época, ela era diretora de uma das seções de vendas da Encicópédia Brittanica, que ficava no Edifício Itália. "Eu tinha muitas responsabilidades, vivia cansada. Dormia o fim de semana inteiro, só acordando para comer e dar uma respirada, para que eu pudesse ter na semana seguinte. Depois que ingressei na macrobiótica, tenho energia de sobra", revela Nadir, que consegue acordar às 3h da manhã, depois de 8 horas de sono, para dedicar três horas do seu dia à leitura.
A prática deu tão certo que ela resolveu estendê-la ao restaurante que abriu ainda nos anos 70, no Centro. O local chamava-se Grão de Ouro, mas por causa de uma fábrica de arroz que já usava esse nome, o restaurante virou Arroz de Ouro, e está instalado no Largo do Arouche. "No começo, a macrobiótica era vista como uma saída para doentes terminais. Hoje as pessoas têm mais consciência a respeito da função preventiva desse estilo de vida", diz. Além de restaurante, o Arroz de Ouro funciona como entreposto de produtos naturais e livraria com obras do estilo. Para quem quiser ingressar na macrobiótica, Nadir também dá as dicas. "A dieta varia de acordo com a intenção da pessoa - se é manter a saúde, recuperar-se de doenças ou emagrecer", explica. Mas os elementos básicos são: arroz integral, feijão azuki ("o único que não fermenta"), abóbora okaido (também chamada de abóbora japonesa, "ótima em tratamentos renais") e a raiz bordana ("funciona como antibiótico e energético, é indicada para problemas estomacais"). Bebida durante as refeições nunca. "Deixam o processo digestivo mais lento. É recomendada uma xícara de ban chá entre as refeições, mas não junto com elas."
A macrobiótica presenteou seus pais com anos a mais de vida - e com qualidade. "Minha mãe era diabética e tinha muitos problemas por conta disso. Meu pai já tinha sofrido três enfartes, estava a caminho do quarto. Comecei a fazer para eles comida baseada na macrobiótica e ensinei-os muitas coisas. Meu pai ganhou sete anos e meio de vida - com muita qualidade - e minha mãe viveu até 1998, quando tinha 88 anos."
De segunda a sábado, Nadir cumpre o trajeto de cerca de 2 Km de seu apartamento na Avenida São Luis até o restaurante. É bem-humorada e tem uma disposição que falta a muitas pessoas mais jovens. Aposentadoria, nem pensar! "Quero morrer como (a atriz) Cacilda Becker: no 'palco'", diz. "E não trocaria o Centro por nada, acho que é o local mais seguro do mundo! É bem policiado, bem iluminado, nunca fui importunada aqui. E veja que me derrubar e levar minha bolsa é fácil, afinal, já sou uma senhora." A única queixa que ela tem é a poluição. "Nem o barulho me incomoda."
A família de Nadir é de origem italiana. Seus avós e pais vieram ao Brasil fugindo de um período de frio e neve que durou três anos e não permitia nem mesmo ir buscar lenha. Ela nasceu na cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e já visitou o local de origem de sua família, bem como o restante da Itália e muitos outros lugares pelo mundo, como Japão, Chile, Argentina, Romênia, Irã, Peru, Bolívia. "Ainda não pensei na próxima viagem, mas um grupo de senhoras que eu conheço está planejando uma viagem pelas principais cidades sagradas da Europa, como Fátima (Portugal) e Santiago de Compostela (Espanha). Talvez eu vá."
Nadir conhece bem França, Alemanha e outros países onde acontecem os festivais de cinema porque acompanha seu marido, o cineasta Walter Hugo Khouri, que tem em sua carreira 25 obras, além de prêmios nacionais e internacionais e a nomeação, de 1965 a 1970, como representante oficial do Brasil em Cannes. "Ele não segue a macrobiótica, é carnívoro de carteirinha. E vida de artista não é lá muito regrada, os horários de dormir e de comer são irregulares." (01/07/2001)
Serviço
Arroz de Ouro
segunda a sexta, das 11h às 15h (enteposto até as 19h); sábado, das 11h às 16h
Largo do Arouche, 88, tel. 223-0219
Próximo ao Metrô República