Puxador, não!

Naquele sábado, Jamelão não estava mal humorado. Pelo menos não aparentemente. Apesar dos problemas de circulação nas pernas, caminhou até a roda de samba e acompanhou com um chocalho a música “Silêncio no Bexiga”. Era mais ou menos meio-dia e a Rua do Choro ia aos poucos enchendo de gente. Um dos músicos explicava a história daquele samba: “Silêncio no Bexiga foi composta por Geraldo Filme --compositor e fundador da Vai-Vai-- para um dos mestres de bateria daquela escola de samba, Pato d’Água. Um dia, ele foi levar uma cabrocha até Suzano e não voltou mais...”
Usando chapéu, calça social e tênis, Jamelão estava bastante à vontade. Andou pela Contemporânea --loja de instrumentos cujo proprietário, Miguel Fasanelli, é seu amigo-- e distribuiu muitos autógrafos. Mas, de fato, não se separou dos elásticos que usa nas mãos, uma de suas manias. Este carioca de Vila Isabel, bairro de Noel Rosa, é famoso por ser ranzinza, do tipo que não cumprimenta os amigos ou desliga o telefone na cara das pessoas. Apesar de todo o folclore em torno de sua figura, o cantor nascido em 12 de maio de 1913 esbanja genialidade: é um dos poucos “bambas” que restaram da velha-guarda.
José Bispo Clementino dos Santos iniciou a carreira no samba aos 14 anos de idade, quando começou a freqüentar a Mangueira. Começou tocando pandeiro e tamborim e nunca mais ficou longe da escola. Ex-investigador de polícia, antes de ser cantor foi vendedor de jornal e mais tarde funcionário da Fábrica de Tecidos Confiança, nos anos 20, época em que foi iniciado nas gafieiras cariocas. Mas foi no auge das emissoras de rádio, na década de 40, que José Bispo assinou contrato com a Rádio Clube do Brasil, em que interpretava composições de Ary Barroso e Lupicínio Rodrigues. Mais tarde, já nos anos 50, gravou sucessos como Apoteose do samba, Exaltação à Mangueira, Ela disse-me assim e Folha Morta.
Aos 88 anos e com a voz intacta, o sambista gravou um CD em 2000, Por Força do Hábito, somando 41 ao longo de sua carreira e reafirmando sua vitalidade. Puxador de samba oficial da Mangueira desde 1950 –geralmente só no gogó, às vezes com ajuda de um megafone-- Jamelão contesta o título: “puxador é quem fuma maconha. Eu sou um intérprete.” (22/06/2001)