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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 25.35 ºC, São Paulo

Meu sonho é ser dona de casa

No radinho de pilha preto toca uma música do cantor sertanejo Daniel. Essa parece ser a única distração da mulher que fica atrás do balcão da barraca de pastel e de caldo de cana. Com a cara amarrada e o semblante cansado, ela atende às pessoas como se em toda a sua vida não tivesse feito mais nada além de trabalhar neste emprego.

Maria Rita da Silva estranhou alguém querer entrevistá-la. “Justo eu, que sou meio caladona”. Então, respondia as perguntas desconfiada, de cara feia. Porém, entre um pastel e outro, atendendo quase sem parar, foi se soltando e acendendo cigarros. Maria Rita trabalha na banca de pastéis, debaixo do Minhocão, desde dezembro do ano passado. A dona da banca é conhecida por Tia, mas nada de falar do nome da patroa. “Nem eu mesma sei o nome certo dela”, confessa. Ganha um salário fixo mensal. O valor, também não quis revelar. A barraca fica “aberta” 24 horas por dia. À noite, um vigia guarda tudo o que se vê durante o dia. Não existem grades, portas, cadeados ou pastéis fritos na hora. O rapaz toma conta da barraca até a hora de Maria Rita chegar, por volta das oito da manhã. “Trabalhar aqui até que é bom, apesar que faz muito barulho e, às vezes, aparece uns mendigo por aqui. Eles vêm e enchem a minha cabeça, dá vontade de arrancar os cabelos. Mas, tenho que trabalhar, né? Fazer o quê?”. No trajeto de sua casa até o Centro da cidade a pasteleira gasta em média 1 hora e meia. “Moro perto da Praça Panamericana, pra lá de Pirituba. Para chegar no horário, saio de casa às 6h30. O movimento na barraca começa logo de manhã. “Vem gente tomar café da manhã, almoçar, tomar lanche da tarde e até jantar, esses levam o pastel para casa”, conta. O diferencial desta barraca é que nela vende-se muito mais do que pastéis. Nesta espécie de lanchonete é possível degustar um caldo de cana, ou uma coxinha, enrolado, suco de laranja, uva, pêssego, água mineral, refrigerante e pastéis, dos mais variados sabores. Tudo por um preço camarada: por setenta centavos você pode comprar o de pizza, ou o de palmito, carne, frango com catupiry, queijo, calabresa. Somente o especial é vendido por um real e cinqüenta centavos, pois tem o dobro do tamanho dos comuns. O caldo de cana varia de acordo com o tamanho. “Pequeno é cinqüenta centavos, o médio oitenta e o grande um real”. Apesar dos 51 anos, Maria Rita trabalha todos os dias. Na barraca debaixo do Minhocão vem de terça à sexta. No sábado ela vai para outra barraca, na Rua Eduardo Prado e no domingo na Rua Ana Cintra, vendendo caldo na feira. “Minha vida é só trabalho. Não tenho um dia de folga da semana. Trabalho com caldo de cana tem 17 anos, todos os dias do ano. É, mas quem sabe um dia a vida não melhora? Se Deus quiser”, lamenta. Nascida na roça, na região de Diamantina, Minas Gerais, Maria Rita casou-se por lá, onde teve três filhos. Mais tarde, quando seu marido conseguiu um emprego em São Paulo, mudou-se com a família para a capital paulista. Hoje, mora somente com o marido e o caçula. Os filhos mais velhos já são casados e têm filhos. “Se eu sonho? Sonho, sim. Quero comprar uma casa e encher ela de netos. Sonho em ser dona de casa. Ah, se eu pudesse ficar só limpando a minha casinha e assistindo televisão. Meu único lazer hoje em dia é limpar a casa e fazer a mão. Viu, gosto do vermelho sempre”, sorri, com certa timidez. (21/04/2001)

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