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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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Na cadência do samba-rock

Estamos em 1958. Mais precisamente, numa casa nos Campos Elíseos, de número 220. No toca-discos à válvula --ainda não se usa o transistor--, rolam vinis de Ray Charles, Brenda Lee, Chubby Checker, Golden Boys, Jorge --muito antes de se tornar Benjor--, Sivuca, Originais do Samba e vários outros artistas de jazz, blues, r&b, foxtrote, mambo, bossa nova e partido alto. A festa black já está armada --e o recém-formado Clube 220 seguiria promovendo festas "mais baratas que as dos brancos", com ritmos que instigam a galera a se mexer e inventar uma dança: o samba-rock. Quem conta a história é o DJ Tony Hits, um dos principais divulgadores do movimento samba-rock desde sua primeira festa black, em 1968. "A mistura de ritmos me encantou. Depois disso, nunca mais saí.” Ele explica que nos anos 70 a "balada" era muito bem dividida entre "baile branco" e "baile black". A segunda, além de misturar culturas e tendências, era marcada pela maneira de "dançar rock and roll em cima de ritmos diferentes, como o samba --o que originou a dança, rotulada de samba-rock". A partir de 1975, o cenário foi mudando: "James Brown ficou conhecido e, com suas músicas, que eram mais pop, veio um modo diferente de dançar, de se vestir, enfim, de se comportar”, lembra Tony. Ter cabelo black power, usar camisa aberta com colares e calça boca-de-sino faziam parte dessa nova moda. “Foi criada uma nova tendência dentro do mesmo movimento. Todo mundo queria ser assim. Alguns arriscaram e ficaram para trás, como eu”, diz o DJ. Ficar para trás, nesse caso, não significa ficar parado, mas continuar seguindo a linha mais “raízes”. “Outras equipes promotoras de festas também continuaram no mesmo caminho, como Musicália, Mistura Fina, Os Carlos, Sideral e Gallotte”, conta Tony. Nos anos 80, os bailes black, tão disputados na década anterior, ficaram conhecidos como “bailes de nostalgia”, porque eram considerados bailes do passado. Portanto, se hoje te convidarem para ir a uma festa de nostalgia, pode ter certeza de que vai rolar muito samba-rock. “Mesmo quando não eram tão conhecidos do grande público, os bailes nunca deixaram de existir”, comenta. E de onde vem a força do movimento? “O público é fiel, não consegue enjoar. Isso acontece porque não é comercial, não toca todo dia no rádio, não foi para a mídia.” E alfineta: “Mas quero que o movimento cresça, porque hoje em dia os ritmos dançantes acabaram. O pagode, por exemplo, tirou as pessoas dos salões de festa e levou para os barzinhos. Os ritmos são iguais, não tem novidade. No nosso campo, existem mais de 10 mil títulos para ouvir e dançar.” Atualmente, Tony Hits é o responsável pela alegria dos adeptos da black music paulistanos. Há cinco anos ele abriu, nos fundos do Green Express --a casa responsável pela divulgação do movimento há dez anos no Centro da cidade-- uma lojinha com raridades da mais pura e original música black –-ou nostalgia, como eles dizem lá. Tudo em vinil. "Minha idéia foi pioneira, porque ninguém tinha pensado em manter uma loja aberta durante a noite toda pro público que vem aqui dançar", conta. Na Tony Hits Discos é possível encontrar mais de 3.000 títulos –-além, é claro, de ficar sabendo tudo sobre o movimento samba-rock, numa conversa com o próprio dono. Flyers de festas black dos anos 70 cobrindo todo o teto, vinis e pôsteres antigos dos Bee Gees e Earth, Wind and Fire, por exemplo, fazem moldura para os LPs de artistas do estilo. “O sucesso de tudo aqui é porque é autêntico: o disco tem chiado, o estado da capa não é tão bom e é um lugar escondido”, diz Tony. “Tenho um sistema de polimento de discos, recupero as capas. Muitos DJs vêm aqui procurar material. Estamos tentando salvar o que sobrou dos discos de vinil.” Aos sábados, Tony Hits comanda o programa Clássicos da Nostalgia, dedicado ao estilo, na Imprensa FM 102,5 (das 11h às 13h). (06/04/2001)

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