Dúvidas jogadas na multidão
Depois do sucesso de seu primeiro livro, “Feliz Ano Velho”, em 1982, o escritor Marcelo Rubens Paiva não parou mais de escrever. A autobiografia do acidente que o deixou paralítico, em dezembro de 1979, foi apenas a ponta da lança. Ou a bala na agulha (nome de outro best seller de sua autoria).

Marcelo Rubens Paiva - Nasci em São Paulo, estudei no Centro, na Escola Caetano de Campos e, durante a minha adolescência, eu ia ao Centro de metrô, para passear. Porque o que me fascinava em São Paulo era a diversidade, a multidão anônima, ser anônimo. São Paulo é “diverCidade”. Isso é uma matéria-prima para qualquer escritor.
Sampacentro - Como você escolhe os temas para seus contos e livros?
Rubens Paiva - Os temas nascem em lapsos, em bocejos. Nada é planejado. Há um traço de memória em tudo o que eu escrevo, mas como e quando aparecem as idéias é um mistério. Normalmente, escrevo para enfrentar algo mal-resolvido no passado.
Sampacentro - Já pensou em usar o Centro de São Paulo como personagem? Ou como ponto de partida?
Rubens Paiva - O Centro de São Paulo está em “Feliz Ano Velho”, em “Blecaute”, em “Ua: Brari” e em “Não És Tu, Brasil”. Está também em crônicas de “As Fêmeas”. Minha obra é de São Paulo. É um lugar por onde meus personagens sempre passeiam, como se enfrentassem as suas dúvidas no meio da multidão.
Sampacentro - Você tem algum projeto de escrever um livro novo? Sobre o quê?
Rubens Paiva - Sim. Sobre as mulheres. Pode?
Sampacentro - O que você sempre quis escrever, mas sempre adia, por algum motivo qualquer?
Rubens Paiva - Este livro. Tenho mergulhado pelas experiências do teatro e não me vejo escrevendo um romance agora. Nem sei se o escreverei. Adio, enquanto estou de caso com a dramaturgia.
Sampacentro - O que você acha que falta em São Paulo para a cidade dar certo? Você acredita no processo de revitalização?
Rubens Paiva - Sou o maior defensor da revitalização. Acho uma insanidade as empresas saírem do Centro, onde há metrô, serviços e gente. Uma empresa deveria recuperar um prédio velho do Centro, em vez de se mudar para a Avenida Berrini. É mais barato, mais perto e mais acessível a seus funcionários. O problema do Centro é a sujeira e a violência. Sua degradação acompanha a degradação brasileira. Abandoná-lo não é saída.
Sampacentro - Você já é um personagem emblemático de São Paulo, mas pretende se mudar? É verdade? Por quê? Onde você escolheu morar?
Rubens Paiva - Não sei se eu conseguiria me mudar. Tenho planos de morar no Rio. Sou paraplégico há 20 anos, e São Paulo nunca melhora para os deficientes. Acho que cansei de esperar por algo que é tão simples. Sinto falta de passear pelas ruas. O Rio é uma cidade que preserva seu passeio público. Digo, o da zona sul.
Sampacentro - Já aconteceu algo inusitado com você no Centro? Você tem alguma história interessante lá?
Rubens Paiva - Milhares. Uma vez saí com três amigos deficientes pela Praça da República. Só eu estava com cadeira de rodas motorizada. Eles tinham de empurrar as suas. Decidimos fazer um trenzinho. Eu ia na frente, e os três seguravam na minha cadeira. O povo aplaudia e ria.
Sampacentro - Queríamos que você deixasse algo que refletisse o que você pensa sobre o Centro. Pode ser um textinho ou, sei lá, inventa aí.
Rubens Paiva - São Paulo é tão importante à minha obra que escrevi um livro inteiro sobre a cidade, “Blecaute”. Ela é a protagonista do romance. É difícil gostar de São Paulo. Quando se gosta, é difícil largar. Nada é previsível. São Paulo é uma mãe atrapalhada e muito ocupada. É uma senhora balofa, meio bufa, meio mal-humorada, que quer o bem de todos, mas são tantos os filhos...