Aromas, letras e lembranças

Marina Garrido Monteiro, 68 anos, é moradora da rua Santo Amaro, “entre a Praça da Sé e a avenida São Luiz”, como ela mesmo define. “Nem parece o Centro: todo mundo se conhece e pára para um bate papo”, diz. Fica difícil conversar com a museóloga sem ficar com saudades de algo que nem conhecemos – ou, no mínimo, com água na boca. Resultado de 40 anos de Centro.
“Um dos donos do Bar Brahma era proprietário de um dos hotéis mais caros de Campos do Jordão, por isso havia uma clientela que ia ao Bar sempre. Quando eu costumava jantar lá com meu marido, há quase 50 anos, havia música ao vivo, os grupos tocavam valsas vienenses e a comida era muito gostosa”, recorda.
Alguns anos antes de conhecer o famoso Brahma, Marina freqüentava o ‘Bar Viaduto’, uma confeitaria na rua Direita, quase esquina com a Quintino Bocaiúva. “Naquela época as pessoas tinham preconceito em relação às mulheres que entravam nesses lugares sozinhas”, conta. “Mas tinha uns doces maravilhosos. E foi esse o bufê do meu casamento, em 1952”. Já a torrada da Leiteria Campo Belo, na rua São Bento, quem comeu não esqueceu. “Economizávamos a mesada para ir tomar lanche no Mappin e experimentávamos todos os chocolates da Kopenhagen, para depois levar 100 gramas de balas”, ri.
“Um lugar onde nos encontrávamos para ir ao cinema era a Casa Fachada, próxima à Igreja de Santo Antônio, uma loja de perfumes que deixava até a rua com um aroma irresistível”, recorda. “Nessa época, eu me sentava nos bancos atrás da Biblioteca Mário de Andrade para ler e discutia o livro com os senhores que ficavam por lá lendo jornal. No final, todos se conheciam”, diz Marina.
Os aviamentos da Casa Alemã, a moda jovem e moderna da Sloper, os cortes da Tecelagem Francesa e da Lion Fabril, os lenços da Etam – tudo isso faz Marina sentir saudades do Centro de antigamente. “Depois, a moda atravessou o viaduto do Chá e a Barão de Itapetininga ficou muito chique.” Era nessa rua onde ficava a Confeitaria Vienense, com suas cadeiras de palhinha, outro ponto de encontro de Marina com seus amigos da adolescência. E era próximo a essa confeitaria onde estava situado o escritório do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969).
Idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922, Guilherme ou Guidal, como gostava de assinar algumas obras, mantinha um escritório na Barão para atender aos alunos que se interessavam por literatura e poesia. Batizada de “Casa da Colina”, a residência em que o escritor morou no bairro de Perdizes a partir de 1946 foi mantida – e todo o seu acervo de 6 mil livros (que estavam no escritório no Centro) e muitos quadros assinados por Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Anita Malfatti, Portinari, Antonio Gomide e outros modernistas brasileiros foram conservados.
Além de museóloga, Marina é restauradora de têxtil (formada em Cuba) e restauradora e encadernadora de papel. É ela uma das responsáveis por cuidar da casa onde viveu o escritor e orientar os visitantes. “O museu é mantido pela Secretaria de Estado da Cultura, mas a casa ainda não está tombada, porque consideram que a construção, apesar de típica dos anos 40, não tem nada de especial”, diz.
Em compensação, o conteúdo é único. Integrante da Academia Brasileira de Letras, Guilherme de Almeida recebeu o título de “Príncipe dos poetas” em 1952. A disposição dos móveis foi reconstituída por meio de fotos e é possível ainda encontrar ecos de etapas importantes para a História de São Paulo: a Revolução Constitucionalista de 1932 (da qual o poeta participou) e o IV Centenário da cidade (em 1954). Os textos sobre cinema do escritor renderam-lhe autógrafos (emoldurados e bem-conservados) de Walt Disney, Charles Chaplin e outras figuras ilustres relacionadas ao meio. (10/03/2001)
Serviço:
Casa Guilherme de Almeida
Horário: de segunda a sexta-feira das10h às 17h
Rua Macapá, 187, Perdizes, tel.: 3673-1883
Visitas orientadas para grupos de cinco pessoas.
Entrada franca